quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

As Presidenciais de 2016 e os abortos do Tempo Novo





O PCP fez uma sondagem à boca da hóstia e perdeu. A Roseira fez uma sondagem ao gargalo do Alegre, e foi-se. O Sampaio da Nódoa fez uma sondagem à boca da Pilar del Rio e jangadou daqui para fora. O Henrique, o Jorge e o Cândido puseram-se ao espelho, e o espelho quebrou-se. Já o Morais parecia uma caricatura de si mesmo, e assim continuou, e assim vai continuar a ser. A partir daqui, podemos dizer que ganharam todos, e assim se fez o Tempo Novo, e assim sempre foi, e assim sempre haverá de ser.

Depois deste arranque de humor, vamos passar a uma análise mais fria, e científica, para esta breve não sofrer das mesmas insuficiências do "Also spach Zaratusthra", em que a coisa começa altíssimo, e depois se confunde com a cinematografia toda do Manoel de Oliveira, tirando o "Bobó" do início. E, sendo a coisa científica, passamos já aos números, para fundamentar as nossas evidências. E, assim, sendo, também poderemos aritmeticamente dizer que, nestas Presidenciais de 2016, de raquítica memória, ganharam todos os números ímpares, e, a partir daí, todos os pares começaram a perder, sendo que ímpares são, pela ordem que lhes conferiu o Inteligent Design, o Marcelo, dos cataventos, a Marisa, das manifs, e o Tino de Rans, de Rans, e pares, o Da Nódoa, a Anã e o Prete Rosso. Como diria o Woody Allen, o Tino até é par, mas lá se pôs numa posição ímpar, só para disfarçar, e disfarçou, e disfarçou muito bem, pelo que está de parabéns. Numa análise mais fina, só possível nos programas da Cristina Ferreira, o próprio Vitorino se converteu e exprimiu em números, e praticou uma comovente numerologia de pacotilha: foi o sexto de uma prole numerosa de seis filhos, vinha em sexto no boletim de voto, e, como ficou em sexto lugar, esqueceu-se de concluir que 6 e 6 e 6 até faz 666, o número da besta, que muito bem se adequa ao tempo que vivemos e ao sucedido em 24 de janeiro...

... 24 de janeiro que entra para a História como o primeiro tiro de salva da partida de Aníbal de Boliqueime, a figura que começou por degradar o papel do Governo, arrolando toda a casta de facínoras e futuros cadastrados, arruinou depois a motricidade parlamentar, com o seu camaracorporativismo das enchentes maioritárias do seu sim-sim senhor doutor, e acabou com a ruína da própria instituição presidencial, transformada num cabecismodeabóbora, sem abóboras e com cabeça ainda muito menos. No meio destas três ruínas, também teve tempo para arruinar o país inteiro, sendo que, até 9 de março, com um pouco de sorte, ainda poderemos assistir à falência de mais um banco, perdão, ao maniqueísmo de mais um balcão financeiro, dividido entre a luz do Bem e as trevas do Mal, a mostrar que em Portugal nada se eleva, nada se fale (só os escritores se podem dar ao luxo de fletir tempos verbais inusitados...), tudo se encrença, e acaba por contabilizar. A cereja em cima do bolo foi marcada por abortos e por vetar casais passivos do mesmo sexo poderem adotar os abandonados dos casais passivos do sexo oposto.

Depois disto, qualquer dos ímpares até nos seria indiferente, já que o Palácio de Belém está no mesmo estado de Fukushima, depois das fugas radioativas, e bem fez o Marcelo em refugiar-se já em Queluz, como a Lamballe se meteu um dia nas portas dos fundos do Hameau, em busca de ricos pastorinhos, embora o risco mais imediato do Marcelo seja, de facto, o Vírus da Zika, caso ele se lembre de começar a parturir microcéfalos, na Cauda da Europa, um risco iminente, depois da fuga de todos os cérebros do passosportismo. Marcelo não está no mesmo estado de degenerescência de Cavaco, mas a sua recorrente "paragem glotal", deixa antever algumas derivas pelos tiques do queixo nervoso, razoavelmente suportável, desde que não enverede por babar-se em público... Já Marisa Matias contou espingardas, e chegou aos dois dígitos, para muita dor e rancor dos que achavam que o lugar dela era o espaço deles, o evento de uma carinha larocas, um pouco prognata, mas dentro dos horizontes libidinosos de quem nunca levantou os olhos acima dos aventais e das saias rodadas pelo joelhos, dos bailes da Atalaia. A verdade é bem outra, e com o seu queixo habsburgo, tivesse a Marisa nascido no tempo de Vélasquez, e acabaria agora pintada nas paredes da Zarzuela, muito rodeada de amorosas marias de belém. Já Tino de Rans me parece ser a única pessoa capaz de defender os valores de uma certa tradição, e o único que, em 9 de março, poderia avançar para o cargo com o facho de salvar o brilhante espólio da agonizante Maria de Boliqueime, mas a História não o quis assim, e iremos, de aqui a pouco mais de um mês, assistir a mais uma queima de bibliotecas de alexandria.

Passando aos perdidos, é unânime que o PCP finalmente inaugurou o seu declínio, com os votos fiéis a fugirem em todas as direções, e um certo portugal profundo a avisar que os padres devem estar de um lado e as cassettes devem estar do outro, sob pena de as cassettes ficarem num canto, a rezar as suas missas solitárias. Igualmente esperamos que Maria de Belém encerre aquele penoso período de declínio manuelalegrista do nosso folclore, em que nos vimos forçados, pela estupidez de um cavalheiro decadente, que já não se enxerga, a ver sucessivos ciclos de eleição, e reeleição, por 5 anos, de todo o sarro conservador, por apostas erradas e quaisquer inexistências de alternativa. Na mesma ótica, também Sampaio da Nódoa, que já se sentia "a pensar como Presidente" -- pensou, e pensou mal --, vai agora regressar à Universidade, e faz bem, por que continuamos com algumas dúvidas sobre o que se passou em redor do ano de 1982.

Diz ele que estava em Genebra, entre dois despachos de reitores e ministros (aí, fadista!...) a fazer um curso concluído em dois anos, dado o "seu enorme afinco"(!)... O meu, nem com afinco, consegui eu reduzir abaixo de cinco, e cremos que, nesta ótica das cidades, nem Bolonha alcançou ser tão generosa quanto Genebra foi com ele... Como diz o burlesco João Jardim, o Nóvoa é "um Tino de Rans para académicos", e é, mas não só, pois é pior e mais profundo. Passado este pensamento ácido, convém que olhemos mesmo para a coisa bem de frente, já que a derrota do Lânguido das Reitorias não foi uma derrota qualquer, antes foi a derrota de um dos mais descarados e vergonhosos conluios de interesses da modernidade portuguesa. Talvez fosse verdade que a sua candidatura não fosse imediatamente política, nem sequer partidária, mas nem precisava de o ser, já que antes era um fenomenal casamento dos impulsos do Ente Supremo casados , à nossa frente, com os empurrões do Senhor Santo Deus, ou seja, o dernier cri das núpcias maçónicas com as trevas da Opus Dei. Desta perspetiva, o fracasso de Sampaio da Nódoa é um mero movimento de recuo das próprias defesas do eu profundo da coisa portuguesa, e de uma impossibilidade, de facto, de certas sombras se apessoarem da totalidade do cenário, através de alianças perversas, sistematicamente derrotadas. É sobre estas reiteradas recusas que o Gil e o Lourenço se deveriam debruçar, já que constituem uma matriz profunda da raiz nacional, e um incómodo ressalto, nesta terra que tudo admite e tudo suporta, contra certos contornos da maré excessiva. Na prática, o himeneu do cilício e do avental, corresponderia à estética perfeita do sufocante, com cada uma das tendências a elidir, até ao pormenor, todas as possibilidades de autonomia, com tapar a totalidade das frestas da autenticidade, um mundo de determinismo ao qual nem o próprio Marquês de Laplace se atreveria. Como Calvino, a condenação do nosso destino estaria, para sempre, determinada pelas velhas caras do "Tempo Novo". Com muito azar, também era comunista, e cumpria assim a fusão dos piores totalitarismos do tempo novo do milénio passado. 
Sampaio da Nódoa foi o Golem do fracasso das bodas do Cilício e do Avental, com o apadrinhamento da Santa Foice. Foi-se.  Com algum desagrado da História, a velha Europa exilou-o em Santa Helena, e veremos que Santa Helena irá reservar a este rosto sombrio do "cidadão novo" e às suas metástases.


Marcelo Rebelo de Sousa é infinitamente mais complexo, já que representa um princípio de inércia, que, passando por Cavaco Silva, e assumindo agora um zénite flácido na sua pessoa, mais não é do que um monótono fluir de sucedâneos do Estado Novo, na impossibilidade de gerar novos arquétipos de sustentabilidade. Marcelo Rebelo de Sousa está para o Caetanismo como o Período Saíta está para o Império Antigo, mas com o interior virado do avesso, já que a ressonância não assenta na mimese das formas, mas muito antes na monotonia das sensibilidades. Nesta perspetiva, a vitória das luzes de Celorico de Basto está ferida de uma inevitável melancolia, já que na ótica do Estado Novo, Marcelo nunca poderia despertar mais do que sorrisos salazaristas a quaisquer aspirações presidenciais. Nem sequer, quando, com 25 anos, se punha em bicos de pés, para ser notado, num esforço de irrelevância de cartas, pelo próprio caetanismo. Nesta ótica, e por que devemos estudar o ser no seu próprio ambiente, não foi Marcelo que amadureceu, ao ponto de ascender ao lugar do qual agora virá a tomar posse, mas antes o cargo que empobreceu, ao ponto de Marcelo o poder vir hoje a ocupar. Sobre tal, nenhuma novidade, já que é o retrato latente de toda a contemporaneidade, e uma radiografia do estado das coisas: não é interessante, nem notável, mas apenas o lugar de um incontornável reparo.

Resta o Marcelo homem, na sua multiplicidade. Como bom esquizofrénico, arrastará para Belém a sua multiplicidade. Nestes recentes tempos, houve um Marcelo que se atreveu a candidatar, e mesmo um Marcelo que o impulsionou ao ponto de poder ganhar. Dia 24, vimos um outro Marcelo, o que ganhou, a citar penosamente um outro que se encontra num idêntico estado de permanente delírio, Bergoglio, o Francisquinho do Vaticano. Dia 9 de março, outro marcelo tomará posse, e vamos ver que marcelo ocupará nos dias seguintes o Palácio de Belém. Quando chegar a hora dos confrontos políticos, haverá um marcelo que decide e um marcelo que comenta, e outro, ainda, que se comenta, e mais outro, que se porá a comentar os outros dois; haverá um marcelo que afronta e um outro marcelo que desiste, um marcelo que se pavoneia e um marcelo mais perturbador, que se contentará com exibir. Não sei se este recital chegará a tornar-se alguma vez interessante, penso, antes, que deve ser assim que as civilizações colapsam, ou, porventura numa ótica mais otimista, que os cargos, pela sua progressiva irrelevância, assim se esvaziarão, ao ponto de se permitirem a epiderme deste mero espetáculo quotidiano.



(Quarteto ligeiramente pós caetanista, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Os doces diplomas da nódoa









Com a campanha presidencial a entrar na sua période vache, não quereria deixar de vir regar aqui, com um pouco mais de gasolina, esta triste fogueira branda. Tem a eleição de 24 de janeiro o mérito de ser aquela que menos me aquece e arrefece, por ser uma eleição reprise, um triste bis das legislativas de outubro, dado que, tal como, há três meses, quando toda a gente desejava que o Coelho perdesse, sem que o Costa ganhasse, este domingo será marcado pelo mesmo vorrei e non vorrei, onde toda a gente normal, no fundo, deseja que o Marcelo perca mas o Nódoa também não ganhe.

Pronto, eu já sei que toquei no nervo da coisa, mas a ideia era mesmo tocar nesse nervo da coisa, pelo que vou continuar a sofismar, sempre orientado pelo tempo novo. Um dos sinais do tempo novo, como outubro demonstrou, é que se podia ganhar, mesmo quando se perdia. Há umas vozes negativas que defendem que o Costa já tinha a golpada toda combinada com os seus parceiros da "esquerda", e que ganharia sempre, mesmo que perdesse. Há uma certa melancolia nesta análise, é certo, mas eu vou acreditar em que também temos o direito de ser melancólicos, e tentar perceber como é que este tempo novo poderá permitir que o grande perdedor de 24 de janeiro, lá para a madrugada de 25, já se possa apresentar como vencedor.

Por uma redução ab absurdo, temos de tentar entender quem poderia ganhar, caso o Marcelo de Rans perdesse, e há uma certa frieza lógica que nos leva imediatamente a excluir os candidatos da coisa coitada, e vou agora à página da Comissão Nacional de Eleições, muito bem comportadinho, para lhes tentar retirar os nomes, já que estou como a História, que brevemente os vai devorar, e os não sei sequer de cor. Risquemos, pois, aqueles que o tempo novo já declarou como vencidos: Paulo Morais, Henrique Neto, o Tino de Rans, Jorge Ferreira e Cândido Ferreira. Se não me engano, já despachei cinco, pelo que agora já só me falta despachar os restantes.

Edgar Silva é um caso à parte, já que, mesmo num tempo novo, e ganhando sempre o PCP, independentemente do resultado, Edgar Silva já ganhou, e dou-lhe por isso os parabéns, posto que isso me facilita a tarefa de me debruçar sobre os restantes quatro. A Marisa não me é antipática, como já deverão ter percebido, e tem a virtude de ter, na juventude, andado a pastar cabras. O texto é tão mau que se permite ter a assinatura da Câncio, e por isso aqui o evoco, com algum carinho, e pela simples oportunidade de me ter sido útil, neste tempo novo. Não creio ser um requisito, para a Presidência da República, que se tenha andado a pastar cabras, mas também não se deve excluir, por um princípio de paridade democrática, a virtude de as ter pastado, agora, ou num tempo novo. Consuetudinariamente, também Aníbal de Boliqueime o fez, no seu tempo velho, isso, e muito mais, e lá chegou, hirto e firme, pelo que Marisa Matias também já tinha direito ao seu precedente. Registamo-lo com algum brio, e fazemos o reparo de que tal se insere numa longa linhagem de políticos que vieram das brenhas e se acercaram da cidade. Marisa Matias distingue-se deles, pelo facto simples que, num tempo certo, deixou as cabras e se fez à urbe, e cansada da urbe, partiu para a Europa. Muitos fizeram menos, e limitaram-se a vir pastar cabras para a capital, quando não as continuaram, num tempo novo, a calmamente pastar numa desgastada Europa.

Maria de Belém Roseira é infinitamente mais patética, por que se insere na longa linhagem daquelas balconistas, cerzideiras e espartilheiras, do tempo antigo da minha avó, que acharam que, bastando trepar para cima do balcão e mostrar as ligas e a combinação chegavam a um patamar qualquer do vaudeville, e chegam, já que o país inteiro ora se degradou numa gigantesca palhaçada. Maria de Belém é o último Sonho de Gerôncio de Manuel Alegre, e depois disto cremos que começará a eternidade etílica. Toda ela é marcada pelo pietismo e toda ela se rege pelo princípio do à justinha, pequena, maneirinha e com algumas potencialidades. Cremos que o momento mais alto deste campanha tenha sido a sua visitação aos embaixadores, muito semelhante à chegada dos Três Reis Magos, mas em minúsculo, em que, durante alguns memoráveis minutos, enquanto o camerlengo dela repetia o erro de protocolo de dizer "o senhor embaixador de aqui, e o senhor embaixador de ali, e o senhor embaixador de acoli", em de vez de "o senhor ministro do estado tal, etc", a nossa miniatura do coração teve os ventrículos apontados para outro lugar, com todos os olhares a dirigirem-se para uma filha, muito grávida, muito empandeirada num canto da sala, onde, espojada, acariciava as curvas de uma barriga muito curva, muito inchada, de onde irá sair uma ínclita geração, para provar que, nós cá, Portugueses, num tempo novo, ainda sabemos emprenhar, e não precisamos de "refugiados" de burka alheia, para aqui virem aumentar as emissões de CO2 da atmosfera. O vídeo é memorável, e só não tem a assinatura do Manoel de Oliveira e a medalha de cavaleiro das artes do Tony Carreira, por que não calhou, e por já estarem ambos, por esta altura, demasiado mortos. Vejam, por que vale a pena. A Maria de Belém, 24 de janeiro dará um digno lugar, nalguma junta de freguesia de Lisboa, e todos nós, ela, e o Manel, ficaremos, num tempo novo, satisfeitos, com um tão generoso bem haja, e um voo tão raso dos aventais femininos.

Afastados estes horrores, ficam o Bucha e o Estica desta triste paródia. O Marcelo já levou a sua dose, e mais dose vai levar, no dia 24. Há certas correntes que defendem que o catavento está apenas a submeter-se a este vexame por vazio e vaidade, ou para provar que o país chegou a tal estado de degradação que lhe permite uma pista de aceleração, para "só ver no que dá", e, se, no dia 24 for eleito, resta-lhe ainda a oportunidade de dizer que agradece muito e não aceita. Para quem conheça o Marcelo, ele é capaz disso e até de muito mais, como se irá ver neste curioso ciclo negativo, à porta do qual, num tempo novo, estamos, e pelo qual ansiosamente esperamos.

Não por acaso, mas por premeditação, deixei para o fim o fenómeno das reitorias. Para quem pensava que tudo o que era mau, em termos dos "interesses", em Portugal, se tinha acotovelado atrás de Marcelo, ainda não tinha visto o rasto de Nóvoa: a sinistra Pilar del Rio, a par com a miserável Inês de Medeiros e o lúgubre Zé que faz falta. Não vou enumerar mais, por que já fiquei com vontade de vomitar. Gente desesperada e capaz de tudo, e de potenciar o clima, nem que, para tanto, tenham de matar o Almeida Santos, ou o Soares velho. Tanto quanto reza a sua biografia não oficial, Sampaio da Nódoa, filho da da Dona Saladina, veio de Cabeçudos, e pareceu cair dos céus, crente, cremos, de ser um novo Saladino, e creio que quem de lá o atirou de pára quedas ficou à espera de que o engolíssemos, já que nós costumamos engolir tudo e não resmungamos. Dizem que começou a instrução primária em Caminha, mas só a acabou em Nova Oeiras, pelo que ela se deve considerar extensa, não na duração, mas, porventura, na distância. É fundamental, para o país do Mourinho e do Ronaldo, que tenha passado a infância e a juventude com uma bola nos pés. Eu passei-a com Proust, Júlio Verne e Suetónio, mas creio que deve ter sido por isso que nunca me candidatarei a Presidente, nem a coisa nenhuma parecida. A parte seguinte não deixa de ser interessante, já que, em Coimbra, e matriculado em Matemática, passou o tempo entre os campos de futebol e os palcos de teatro. Quanto a estudar, omite-se o estudo e a palavra estudo... A fase seguinte já inclui os cafés, e as noitadas, e os relvados são trocados por uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, que dá razão àquelas línguas compridas que dizem que por lá passou tudo, até os elétricos.

Entre 1973 e 1976, como reza essa generosa biografia, e omitindo que houve uma revolução pelo meio, fala-se de muita animação cultural, dinamizações de cidadãos e "expressões dramáticas" (!). Curso é que não, mas curso para quê, já que se abalançou diretamente à "formação de professores"?... Percebemos, e continuamos, para 77, onde, dessa formação de professores chega às aulas de moto próprio, em Aveiro. Cansado da academia, embarca num Fiat 127, e ruma à Suíça. Ao contrário do seu padrinho Cavaco, que rumou à Figueira da Foz, no célebre Citroen que o conduziria à ruína do país, Sampaio da Nódoa vai somente a Genebra, de onde sai com um curso (?) e um pegar de empurrão para o doutoramento (!), generosamente sobre a história de (certos) professores em Portugal.

Cumpre aqui fazer uma pausa, para nos debruçarmos sobre o princípio da bola de neve, que começa do tamanho de uma noz e acaba a engolir cidades. Não nos espantará que, em 85, já alguém o tenha convidado para ser professor convidado num instituto de educação física, e que depois aterre nas famigeradas Ciências da Educação, que estão para o séc. XX como as Profecias de Nostradamus para o Nicolao Maquiavel. A partir de aí, são todos os fogos de artifício previsíveis, a agregação, a cátedra e a Sorbonne, para fazer um segundo doutoramento que tirasse as dúvidas sobre o primeiro. Sarastro empurra-o para a Reitoria, mas o Tamino só se contenta, como Carrilho, com a Unesco. 


Não sei quem redigiu esta biografia, mas é um texto notável do estilo do volátil e do generoso. Não chega a ser comovente, já que introduz os patamares do costume: há nisto uma mistura de Harry Potter com as equivalências de Miguel Relvas, e espera-se que ninguém se lembre de escrever as linhas seguintes, que, de acordo com a lógica do Avental, deverão incluir uma Presidência da República e o Bispado de Roma, para lá venerar um Ente Supremo.

Não me apetece alongar mais sobre esta evidências. Nos tempos áureos da irmandade honesta, fez-se um exercício de estilo de oferecer um Imperador aos Franceses. Os tempos são, agora, infinitamente mais modestos, entre napoleões de goa e os cavacos de fancaria. Há muita gente espantada com os novos casamentos, também chamados "ménage à trois", que incluiriam, para lá da filiação base, núpcias espúrias entre comunistas e maçonaria, entre opus deístas e estalinismo, e, mais curioso do que tudo, entre seguidores do Balaguer e seguidores do Aventalinho. Se bem pensarem, a coisa nada tem de estranho, e explicaria muitos entroncamentos, como o par Constâncio, pai e filho, mas o mais estranho assenta numa espécie de balanço da revolução de abril, onde, muito mais importante do que as descolonizações, das transformações económicas, de mentalidade, no aumento da esperança de vida ou na liberalização do costumes, o grande aggiornamento tivesse sobretudo assentado naquela coisa estranha, que foi, não o acesso de todos aos estudos, mas a democratização da concessão de diplomas, de que Sócrates e Relvas são apenas os cumes cómicos de um curioso icebergue. Na realidade, o lado mais perverso da abrilada foi a proliferação destes faz de conta académicos, que se instalaram, num tempo novo, por toda a parte e de qualquer modo. Não voltaremos a falar desta "geologia das licenciaturas", já que ela espelha e traduz toda a inquietação profunda desta sociedade doente, que, num tempo novo, vai votar no dia 24.

O 25 de abril foi tempo novo dos diplomas de secretaria.

A pena residual que tenho pela derrota de Sampaio da Nódoa é do custo que ela vai significar, em vésperas do retorno da Troika, e do desgosto que vai provocar, naqueles que tanto apostaram neste derradeiro naufrágio. Na falta de números concretos, apenas poderei dizer que os aventais ficarão um pouco mais pobres, num tempo velho, o que, curiosamente, não acontecerá com os cilícios, já que os últimos, ao contrário dos primeiros, não costumam pagar, nem sequer num tempo novo, as derrotas, sobretudo quando perdem. Temos pena: arrivederci :-)



(Quarteto das núpcias falhadas do tempo novo do cilício e do avental, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Marcelo Rebelo de Rans









2016 é um ano que nasce desde já em glória, pelo facto simples de que, aconteça o que acontecer, será o ano em que nos vamos livrar de Aníbal de Boliqueime. Há correntes que apontam para um livrar simples, e outras que antes apostam num livrar na generalidade; há mesmo os mais radicais, que chegam a falar de um livrar do Cavaco em profundidade, mas isso é improvável e quase impossível, já que a ligação entre o idiossincrático nacional e o sarro de boliqueime está ao nível do siamesismo incompleto das narcisas que nasceram unidas pelos falópios. Fiquemos, pois, pelo livrar simples, já que o próprio livrar na generalidade tem o que se lhe diga, e também lá iremos, um pouco mais tarde, quando lá chegarmos.

O Vacão de Boliqueime, uma coisa parda e cinza, que os vindouros virão a adorar dourar, ou ainda ensombrecer mais, conseguiu alguns dos feitos mais espantosos da Democracia, o último dos quais o de lograr degradar o seu posto de Presidente ao ponto de o tornar quase irrelevante. Assim sendo, e tanto quanto se percebe, só algumas afinações mais afinadas tiveram a coragem de dizer que a "campanha" em curso era um desastre, e é, já que, pela primeira vez na curta história do parlamentarismo restaurado, os figurantes que se apresentaram a concurso não demostravam virtude alguma e apenas um prolongado lençol de ausência de qualidadesPor outro lado, conseguiu algo de notável, o de mostrar que quem aguentou dez anos de Presidência em sede vacante poderá ainda aguentar os mais dez que agora se prefiguram.

Como não sou comentador político, posso-me permitir focar a coisa por onde bem entendo, e vamos já para uma perspetiva aritmética, posto que contar pelos dedos continua a ser a melhor defesa ancestral. Desse modo, se começarmos a folhear falanges, poderemos dividir os "candidatos" em três, se não quatro, categorias elementares: há os que vão conhecer as dezenas, os que nunca vão descolar das unidades, e aqueles que se poderão dar por muito felizes, se chegarem ao fim medidos pelas décimas. Creio que poderá ainda haver os das centésimas, mas o custo das lupas torna-os , neste momento, insignificantes, embora talvez lá passemos, se sobrar algum tecido para tais bainhas.

Comecemos, pois, pelas damas de honor desta Masque, e não preciso de as apresentar, já que diariamente se esgatanham, na sua imparável irrelevância: Maria de Belém é pequena e tem uma voz fininha, ou talvez não, é mais um timbre curto de latas, uma voz maneirinha, que, nos filmes de má captação de outrora, estava reservado às telefonistas, o dia inteiro sentadas num naperon de poltrona, com os pezinhos a abanar, e dar que dar, a dois palmos de distância de uma chauffage enferrujada. Aparentemente, ninguém sabe de onde a mulher veio, mas há uma sólida unanimidade sobre onde se irá apagar, e isso é bom, já que testemunha uma certa maturidade da nossa opinião coletiva. Com tal certeza de Opinião Pública, nada mais quero, pois, acrescentar, exceto um breve comentário musical: sendo a meã de voz contida e pouco fôlego, cantadora pouco extensa, talvez pudesse ter tido a sorte de um Walter Legge que a fizesse schwartzkopffizar, mas não teve, e vai acabar mesmo nas pastelarias, com um caniche pela trela, e uma torrada à frente, ou a fazer de guia turístico de visitas de chefes de estado a lares de velhinhos. Do outro lado, não melhor, nem pior, temos o Nódoa, uma coisa despejada dos aventais, e convictamente convencida de que vai ganhar. Continuo sem perceber o que é que ele vai ganhar, e quando e onde, mas nestas coisas, a fé é muito importante, já que continua associada a todas as curas de males desenganados, ou seja, jogando com as palavras, se o Nódoa está assim tão convicto de qualquer coisa que eu não entendo, que desagradável iria eu ser, nesta fase do campeonato, a vi-lo aquilo desenganar, não é?.... Servem, para isso, as urnas. Do lado da clínica, a coisa é mais severa, já que os doutores do gótico, quando o ouvissem falar, empurrariam, com o indicador, as lunetas para a cana do nariz, um profundo "hummm", e estava feito o diagnóstico, já que os pátios de todos os júlios de matos do planeta estão cheios destas síndromas napoleónicas. A verdade é que nunca se investiu tanto para se ser derrotado. Sei que me estão a fazer sinais, já que não esclareci qual, destes dois, incarnará a primeira e a a segunda dama, e realmente não sei, mas posso dar uma pequena pista, singularmente cínica: tudo o que o Manuel Alegre apoia perde sempre, pelo que se devem informar sobre se apoiou algum dos dois. Desconheço e ignoro, mas deverá bater certo.

A terceira dama é mais interessante, já que foi, ou ainda é -- desculpem-me a ignorância -- padre. Creio que a sua eleição corresponderia a um ensaio de transformar a presidência numa teocracia, o que seria original, e, por que não, uma experiência do "tempo novo", como diz o Nódoa, entre cilícios e aventais, a mostrar que aprendeu bem a lição do Balaguer, regurgitado pelo Hirto e Firme Eanes, outra sombra que "tarde" em desaparecer. Como não será eleito, fica o seu contributo para esta campanha penosa: é um homem que não sabe, e um padre que não crê -- ele, pecador, se confessa -- e o que não sabe vai ao ponto de não saber se a Coreia do Norte é uma ditadura. Quando, depois de Cavaco, pensamos ter batido nos mínimos, descobrimos agora que ainda faltava este mínimo dos mínimos: seria fantástico chegar a um presidente cuja geopolítica até ignorasse os sinais tintos coreanos. Edgar deve ser o nosso Donald Trump, e assim já está cumprido, e iremos, pois, passar adiante. Parece que o seu destino será, para o final do mês, depois de vir a terreno contar espingardas, ir dançar a rumba em Periscoxe, na linhagem dinástica do velho Cunhal.

A Marisa, com voz grossa, não tem qualquer estilo para dama de honor, e nem sequer sabe o que irá fazer com as suas poucas unidades, e nós ainda sabemos menos. Parece ter chegado como renovadora, mas esse pano já está irremediavelmente desgastado, e o seu estilo selfie dos cartazes não vai chegar para quaisquer veleidades e arranques mortagueiros, pelo que as suas percentagens não vão servir em nenhuma contabilidade, e muito menos na da própria. E aqui chegamos ao domínio do microscópico, com a última unidade a ser piedosamente dada ao Henrique Neto, um "engenheiro" com o mesmo nível de titularidade e diploma do de Vilar de Maçada. A partir daqui, temos de seguir na longa deriva do cómico, com um primeiro que diz ser contra a corrupção, mas soube servir bem, na Câmara do Porto, um lugar de gente séria, limpa e honrada, e um outro que se apresenta como "orador motivacional", para terminarmos num outro ainda, que deve ser mesmo finalizador, já que nem eu, nem ele, nem ninguém, sabemos sequer quem seja.

Ora, chegados a este momento, fica-nos pouco, mas fica-nos um certo modo do essencial, já que finalmente nos sobram os grandes titãs desta enorme paródia presidencial, o Tino de Rans e o Tino de Celorico de Basto. Em bom abono da verdade, há uma certa dificuldade em distingui-los, já que, para o meu ecossistema, muito egoisticamente confinado ao pendular do metro entre Roma e o Alvalade, Rans e Celorico de Basto são toponimicamente equivalentes, e não são cobertos pelo seguro nem pelo passe urbano... Eu sei que não, e... e... estão-me ali ao fundo a fazer sinais para ter cuidado com o que digo..., e... e... eu vou tentar ser mais cirúrgico: o Tino de Celorico de Basto, que agora se pretende apresentar como politicamente virgem, tem tudo menos virgindade e a sua política é demasiado extensa, perversa e antiga. Há mesmo quem diga que o Tino de Celorico incarna uma sacrossanta trindade, constituída pelo DDT Salgado, o dono disto tudo, passando pois pelo CDT de Boliqueime, o culpado disto tudo, e lá acabando no JDT de Sousa, o justificador disto tudo. Com efeito, tal como eu vos estou aqui, depois dos meus sete longos parágrafos, a sistematicamente enganar, com a coleante mentira da Escrita, também o Tino de Baixo, um sofista, ou "orador motivacional", acabado, anda, há quatro décadas, a enganar, dia após dia, semana após semana, mês após mês, o incauto espectador.

Ninguém, mais do que Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas conversas em família do segundo marcelismo, encontrou uma permanente justificação para o permanente desastre nacional. 

Marcelo é como o Atun das cosmologias do Egito Antigo, o deus primordial, onanista, que ejacula e ejaculará todo o devir presente. Iludido na sua permanente retórica, afundado nos miasmas da sofistica, confundindo a forma e essência, verbum sine verbo, ele tornou aceitáveis todas as bancarrotas, toda a falência dos sistemas financeiro, educativo e de saúde, todo o desemprego, a iliteracia, a ignomínia cultural, o esclavagismo do trabalho, o aventalismo e o opusdeismo, o nacional porreirismo, a insolvência, a incompetência, o compadrio e a mediania, a república e até a monarquia. Todo o discurso de Marcelo não consegue ir além de uma permanente teodiceia, sempre explicadora dos sucessivos males do Mundo com uma perpétua expectativa de reencontro com um espantoso Bem inicial: à falta de uma saudosa fusão com a Ação Nacional Popular, Marcelo passa o tempo a convidar-nos para uma perpétua boda envenenada com o Centrão, e, em dias de maior enlevo e volúpia, mesmo com o mais genuíno PPD profundo. Em décadas de orfandade, ele preparou minuciosamente o retorno de um inviável segundo marcelismo. Em 40 anos de campanha, Marcelo conseguiu transformar o declínio da nacionalidade numas permanentes núpcias de Cadmo e Harmonia.

Marcelo não passa de um homem da intriga do período final do Estado Novo, entubado por azar numa Democracia de valores agonizantes.

Se o Regime tivesse continuado, talvez Marcelo tivesse alcançado um lugar invejável, mas só no sopé das montanhas dos titãs, pois, com a queda dessa parda montanha, deu consigo a andar tão só às voltas, em redor da própria cauda. Marcelo é um ator presente de um cenário desaparecido, numa peça mal interrompida, e ameaça arrastar-nos na volúpia do seu desastre. Como Cavaco, teve o azar de o regime se lhe desmoronar aos pés, justamente numa fase inicial de ascensão. Com o tempo, nem precisaram de se esforçar para subir mais, posto que a nova situação se degradara de tal modo, ao ponto de bastar avançar com os dois pés, para lhe poder passar por cima. Cavaco assim o fez, e assim nos arruinou: chegou agora a vez de Marcelo, com a diferença de que o primeiro, anestesiado pela sua doença, nem nunca percebesse o que lhe estava a acontecer, enquanto o segundo, infinitamente mais hábil e palatino, só tem agora um receio, o de que possa ganhar estas eleições, dado o estado de impotência do próprio cenário eleitoral.

Em boa verdade vos digo, este é o tempo das Rans que queriam ser Boys.

Iremos acabar com alguma dolência e musicalidade. Com alguma calma, lhe recomendamos, leitor, o bem da serenidade, e, para que não pense que o poderia, ou quereria, deixar com algum sinal de desespero, ou sem esperança, o alerto para o facto de que, mais importante do que uma primeira, ou, sequer, do que uma segunda volta, tudo se irá jogar na terceira, quando, contados os votos, e suicidadas as pequenas vaidades, que, penosamente, tivemos de ver arrastar, o vencedor, ainda mal refeito da vitória, irá assistir a um cenário do improvável, dado que, contou-me um passarinho, todos aqueles restos e sobras que vão ser as percentagens de nove destes dez candidatos, se irão coligar, para constituir uma sólida bolsa de percentagem de vencidos, capaz de derrotar qualquer vencedor. Como diria o PCP, só não se presidenciará o perdedor se não quiser, bastando, para tanto, coligar-se com os outros perdedores, e esta é a mensagem de esperança que vos quero deixar: neste "tempo novo", tempo novíssimo, só muito depois de contados os votos, e de o ganhador ter anunciado a vitória, iremos saber quem realmente triunfou, fruto desta aritmética da congeminação e da conspiração. Podem achar que estou a exagerar, mas não estou: o próprio comentador Marcelo já montou um gabinete de crise, para poder perder, caso o Marcelo Presidente tenha o azar de ganhar, já que essa vitória seria um brutal decréscimo dos seus rendimentos de "Professor", posto que, muito acima, dos 292 000 do Rey de España, parece que anda a ganhar na casa dos  385 000 €/ano. Para ele, o mundo perfeito é já hoje, pardo, estático e imutável.

Se procuravam um justo retrato da decadência plutocrática do país, ele aqui está, cifrado em números, e nestes candidatos, que se confundem com a sua própria caricatura, e tudo o resto são trocos e teatradas, pelo que, em boa verdade vos digo que, assim sendo, no dia 24, será expectável, justo, e merecido, tal como previ, que o Palácio de Belém seja dignamente ocupado por um qualquer impante Tino, capaz de substituir o miserável cadáver adiado de Boliqueime, por que, depois das crises dos BPN, do BPP, do Banif e do Bes, nós precisamos de quem nos acompanhe, nestas horas de angústia da CGD, do Montepio e do BPI.

Já está perto, não está?...



(Quarteto das Rans que queriam ser Bois, no "Arrebenta Sol", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")