sexta-feira, 11 de abril de 2008

Esta noite, vesti-me de Fernanda Câncio

Olá. Esta noite vesti-me de outro modo. Estou a ajeitar a peruca e o espelho diz-me que me pareço com Fernanda Câncio. Bom é que o meu boneco de fora se pareça com o boneco de dentro, e, só por isso, tenho andado a fazer uma lavagem ao cérebro a mim mesma.
Quero ter um cérebro-cona, bem humorado, claro, dentro dos limites do politicamente correcto, e da falta de humor típica, da Portuguesa comum, que só pode achar graça a coisas escatológicas e que não firam o bom nome das pessoas que a televisão apresenta como sérias.
Gosto de olhar para o espelho e não ver em mim uma puta, sinal de que estou a incarnar, na perfeição, a minha musa desta noite.
Tenho as pernas depiladas, e consegui arranjar, nos chineses, por 5 €, uns sapatos de salto alto dourados, que são o 42, o meu número exacto. A minha sainha é "gay-friendly", como convém a uma "fag-mother", como eu. Porque uma mulher que só anda com bichas é uma mulher que está sempre protegida de avanços e daquelas coisas porcas com que os homens mantêm sempre activa a cabeça de baixo.
De aqui a pouco, depois de terminar mais uma das minhas crónicas brejeiras sobre as minorias -- as convenientes, porque também há as minorias inconvenientes, e, dessas, não trato: não dão "status", nem remuneração, e até podem ser perigosas... -- com linguagem solta, de quem está bem situada no Sistema, fingindo estar de fora, a típica "mulher-alíbi" da Sociologia, que serve de tubo de escape para as tensões sociais, sem nunca -- e isso é essencial -- sem, nunca, as resolver... bom, dizia, vou terminar a minha crónica -- que tal usar a frase da outra, dos pores-do-sol do Cairo?... --, descer para o Marquês, e ir ter com aquele que é o mais do que tudo para mim -- que seria de mim, sem aquele sustentáculo político, que faz de mim uma estrela de paredão?...
Vou olhar para o relógio: é cedo. Vou correr a versão pirateada do "Hostel". É um filme que adoro: aquela angariadora de gente perdida, para os encontros de Bratislava. Corpos. No fundo, todos nós não passamos de corpos, que "há-dem" morrer todos, e há gente que ADORA ver o sofrimento em directo... Ela foi para Bratislava, um leilão fabuloso, com toda a gente já transformada em números, um leilão de sms, um tecto cheio de avatares e perfis -- aqueles que adoram dar a cara, mas só por detrás de uma muralha de "passwords", industriais, gente da cultura, políticos, titulares, diplomatas, banqueiros -- sim, oiço a voz daquele banqueiro americano, ele quer mesmo aquele corpo de mulher, sim, mas pendurado de cabeça para baixo, a outra, deitada, deixa que o sangue lhe pingue para cima, e vai tendo orgasmos múltiplos naquele banho de hemoglobina, de cada vez que a foice a rasga... fabulosa, com um êxtase, depois da cabeça degolada lhe cair em cima; Mr. XXXX é mais exigente: gosta de cortar fatias do rapaz, e ir mastigando-o vivo: é espantosa a resistência de um corpo que vamos fatiando... demora tanto tempo a morrer, e depois perde a graça toda, por isso, tem de ser devagarinho, a faca afiada, de vez em quando, a faca eléctrica, e convém limpar os cantos da boca, por causa da coagulação...
Uma chamada, agora, da Suíça: é alguém, de Davos, que quer ver torturada uma criança de dois anos, mas a técnica é simples, os varões de ferro têm de ser almofadados, para ela sentir a dor, mas não deixar quaisquer marcas. Temos quilos disso nos clientes estrangeiros da nossa Casa Pia.
Do outro lado, centenas de "web-cams", a darem directamente em suites insuspeitas, quartos com vista para a Dor, judeus de East Upper Side, dois clientes da "Rotonda", o écran plama na sala da casa assombrada de São Pedro do Estoril, onde mora aquele cujo nome ninguém ousa pronunciar, e há o Barão da Floresta Negra, ao pé do qual Drácula era um ingénuo.
Gostaria de me masturbar, mas tenho o Zé e o "Zangado" à espera, pelo que convém levar os depósitos cheios. Puxo a sainha para baixo, ajeito os sapatos, e continuo a ver o filme. Adoro o Sofrimento, e é nisso que o Zé se confunde comigo: tudo isto são desportos para as minorias, mas mesmo minorias, porque tudo isto custa caríssimo.
Como organizar uma caçada de adolescentes nus, nas pradarias helvéticas, se não tiver um cartão de crédito, o célebre BLACK, que pode comprar a morte, em directo, por detrás de 100 "passwords"?..., é óptimo sonhar com isto, as multidões de engenheiros informáticos que tiveram de trabalhar para que pudéssemos estar em plena segurança... deus, se fosse mulher, estaria agora húmida, mas estou mesmo é com um pau que alguém vai ter de deitar abaixo...
Desligo o plasma, só se ouve o ruído dos saltos nas escadas, cordatos, como uma "Vicentina de Braganza", ajeito o cabelo, meto a chave na ignição, o segurança olha para mim, pensando que sou mesmo uma mulher, de aqui a cinco minutos vou entrar discretamente pela garagem, o elevador de vidros foscos, o toque na campainha, "music for airports" de Brian Eno, e o Zé, lá dentro, com o que nos falta, a cama de água, "Hostel III", e dois rapazes, morenos, viris, que nos irão transformar a noite de tornados numa brasa ardente.

1 comentário:

Fliscorno disse...

E depois não "há-dem" ter ideias. "Há" pois "tem". É na tv, na rádio e no telejornal sempre a mostrar coisas. Leilões com avatares... Leitões com alguidares, vá lá.

PS: lendo isto de trás para a frente continua a não fazer sentido.