terça-feira, 9 de junho de 2015

Fátima, Futebol e Cristiano Ronaldo







Depois de Fátima, e com a sorte de o Fado já estar morto, tirando umas gajas que insistem em ganir, para arranjar uns cobres perdidos nos fundos do BES, do BPN e do BPP, vem a maior praga cultural do séc. XXI.

Evidentemente que estou a falar daquilo a que chamam "Futebol", como lhe poderiam chamar qualquer outra coisa. Na gíria técnica, jurídica, o nome correto é "branqueamento de capitais", ou "lavagem de dinheiro", sendo que esse branqueamento é apenas a epiderme de vários estratos dérmicos, cuja complexidade, por que o fenómeno apenas me interessa colateralmente, enquanto vertigem do nosso colapso civilizacional, desconheço na sua profundidade. Para ser ainda mais preciso, creio que os próprios envolvidos também já não estarão na posse completa das suas ramificações, ou, como corolário da Idade Cibernética, as sinapses tornaram-se automáticas, infinitas e auto replicativas.

Tenho a sorte de, desde pequenino, ter sido afastado do fenómeno, resultado de educação aristocrática e nietzschiana, muitas vezes resumida num imperativo, "não olhes, e sobretudo não toques". Nunca olhei, nem toquei, no Futebol, até o flagelo ter atingido uma tal enormidade que começou a colidir com a minha higiene quotidiana. Eu explico: é culturalmente inaceitável que, com o dinheiro dos meus impostos, eu ligue um plasma, para ser informado sobre o roteiro do Mundo e tenha de gramar, durante meias ou horas inteiras, com temas redundantes em redor de uma bola e uma quantidade de indivíduos de capacidades intelectuais limitadas, em estádio, bancada, ou poltrona de comentador, a impedirem-me de ter acesso à informação que pode ditar o meu conforto existencial imediato.

Eu sei que estariam a recomendar-me o clássico "zapping", mas o "zapping" torna-se inoperante, quanto os órgãos de intoxicação social criam um "cluster" e um verdadeiro "trust" que me impede de franquear a muralha de imbecilidade que é colocada à minha frente. Como diria o meu amigo Auretta, há muitas vezes mais felicidade em viajar para um canal remoto, do qual até desconhecemos a língua -- como uma televisão regional ucraniana ou chinesa -- do que estar a ser intoxicados com toda a poluição temática associada ao "Futebol".

A coisa é muito grave, e apenas faz lembrar os períodos radicais do Terror, na Revolução Francesa, em que os próprios dias da semana foram riscados das suas denominações tradicionais, para serem substituídos por neologismos republicanos, de barrete frígio, que hoje apenas interessam às gavetas da História. Passando à enumeração, na fase clássica, os epicentros da semana seriam a quarta e o domingo, passando a quarta a designar-se "derby" (ignoro completamente o sentido da palavra, mas aceito...) e o domingo, "final". Alicerçada a semana no derby e na final, teríamos o dia antes do derby, a antiga "terça", e o dia depois do "derby", a tradicional "quinta", ficando para o sábado a condição de "dia antes da final" e a designação de "day after", para a segunda. Se contar pelos dedos, está resolvida a questão de sábado, domingo, segunda, terça, quarta e quinta, apenas ficando em suspenso a sexta, o que se resolve rapidamente, já que tenho esse lado lógico e sucinto: "sexta" seria o dia antes da véspera da final, ou, recapitulando esta nova seman: dia antes da véspera da final, véspera da final, final, the day after, dia antes do derby, derby e dia depois do derby. As gordas  de bigode passariam a ir aviar robalos alimentados com farinha das vacas loucas nos mercados da final, e o day after, falho de pescado, ficaria para hamburgueres caseiros e esparguete, que esticados, duravam três dias, até à tesão do derby e a consequente porrada do marido. (Aqui fica a sugestão, de alguém que sente profundo asco pelo Futebol, mas gostaria de ver o seu nome, modéstia à parte, por que sou modesto, associado a um renomear dos dias da semana). Podem pôr o assunto à votação, que estou numa fase muito "cool", em que aceito tudo, desde que isso torne o maralhal feliz.

Os verdadeiros problemas desta coisa, e agora vou pôr a pose de estado à Roland Barthes, é que a merda do "Futebol" está a contaminar a sociedade de alto a baixo. Do ponto de vista geracional, o que seriam fenómenos colaterais, tornaram-se fonte de preocupação e de devir ainda mais gravoso. Nunca coisas que outrora seriam consideradas utilitárias, ou antros de periferia, se tornaram tão grande fonte de negócio, como os cabeleireiros e as inenarráveis casas de tatuagens. Levei algum tempo a perceber o problema, cujo foco pensei fosse a grangrena Teresa Guilherme, que gosta de os  ter preparados, de certa forma, e para consumo próprio, na zona típica dos 19/22 anos, até que a Laura "Bouche", com a sua infinita sapiência, e perante a minha curiosidade em ver tantas pernas mal feitas, de calções e obsessivamente depiladas, me disse "mas isso são eles todos a imitar a traveca!...", ao que eu tive de perguntar, "qual traveca?..." E ele: "parece que és parvo, a Ronalda, desde que a Ronalda depilou as pernas que todos os anormais dos subúrbios passaram a depilar também".

Excelente seria que a história terminasse aqui, mas a incerteza sexual heisenbergiana de Cristiano Ronaldo propaga-se, como um tsunami, sobre multidões de atrasados, que continuam a confundir sexo com procriação, e veem -- como diria a "Laura" -- um "macho", e o macho padrão, na... "traveca"... Os padrões sexuais e as suas sequelas são consabidos, e tornaram-se, de facto, num flagelo português contemporâneo.

Sei que falar de Teresa Guilherme e Ronalda a Barthes seria um pouco demais, já que, para lá do seu radicalismo e eficácia analítica, sempre subjazia um elevado classicismo, completamente incompatível com este fenómeno das barracas, típico da simbiose entre o CR7 e a Ninfo, que é descontroladamente barroco. Descontroladamente, ou não, ele tomou posse do imaginário dos corpos, e isto, sociológica e geracionalmente, é um cataclismo, pelas razões mais diversas, já que impôs um padrão monocórdico, a que teríamos de acrescentar o reflexo retardado das barbas, que já passaram de moda nas zonas civilizadas, mas aqui ainda continuam a recordar que as franjas da Linha de Sintra foram, e são, um dos principais focos de recrutamentos dos criminosos do ISIS/ISIL

Tudo isto junto já seria catastrófico, mas há sempre um patamar ainda inferior, já que o fenómeno da pernita raquítica rapada e do calçãozinho, remete para mais uma das intromissões do pensamento-ovário na esfera do Masculino, fazendo com que os rapazes, até cada vez mais tarde, deixem de ser encarados como jovens machos, e, através de uma desvirilização subliminar e compulsiva, continuem a ser os meninos das suas mamãs, com toda a náusea que isto possa provocar, se pensarmos nas sequelas do pensamento-cona da "mulher cougar" que assim finalmente reuniu os traumas da pulsão maternidade aos imperativos da pulsão da foda. Isto daria muito que escrever, e  por aqui fico, com a promessa de desenvolver, avassaladoramente, num outro dia.

Voltemos, pois, ao "Futebol", e lá me perdoarão, mas vou escrever mesmo Futebol, evitando as aspas, para poupar os dedos e o teclado. Creio que, para os incautos, nos quais não me incluo, o que recentemente aconteceu com a FIFA, mundialmente considerada um antro de criminosos, finalmente revelou o que todos o incautos já sabiam, que a FIFA era, mesmo, um antro de criminosos. Não por acaso, o pontapé de arranque veio da América, onde a modalidade não é central nas atividades sociais, e a corajosa Loretta Lynch afirmou que aquilo "era só o começo", e é só o começo, já que, como atrás disse, o branqueamento de capitais é só a epiderme do assunto, já que a fonte dos capitais a branquear não é una, nem indivisível, mas múltipla e polifónica. Não quereria ser repetitivo, mas por ali passa tudo, desde o tráfico da droga, dos corpos, das armas, da prostituição, das redes pedófilas (esta é para ti, Pinto da Costa...), do urânio, do plutónio e dos jogos de influência das diferentes sociedades secretas que minaram a Nova Ordem Mundial. Como em Roma, os objetos foram recolhidos na ralé, tatuados, com os corpos submetidos a técnicas de transformismo, e o ciclo imediatamente fechado, com os oligofrénicos em campo, em redor de uma encenação, que já não são combates de gladiadores, mas andarem a correr atrás de uma bola, coisa que os mamíferos, com a dinâmica assente no cerebelo, já faziam, há milhões de anos, desde os canídeos aos felinos. Mais não se fez do que darwinar a coisa, e estendê-la até Mem Martins, Amadora, Loures e Montijo, ou nos pólos ainda mais abaixo, de província, como Gondomar, Gaia ou Valongo.

Já um dia analisei o caráter epifânico da coisa, e, sobretudo, o seu poder de despoletarização dos potenciais conflitos sociais: por um lado, subverte, para sempre, a dialética marxista, já que separa os que dominaram dos dominados, antes impondo uma espécie de eucaristia e possibilidade de iluminação, traduzida na fórmula simples: se o CR7 veio das barracas e se transformou, ou foi transformado, no topo da base em que se tornou, por que é que eu, seu vizinho, neste enorme subúrbio mental em que transformaram a cultura urbana, não poderei ter a mesma sorte do que ele. Para os marxistas, nos quais não me incluo, o rumo da História, determinístico, passa, assim, com o empurrão das guilhermes, dos mourinhos, do "Trio de Ataque" e sucatas afins, a tornar-se num fenómeno estocástico do "pode também acontecer-me a mim".

Culturalmente, como podem imaginar, isto é um cataclismo histórico, só comparável com a estagnação trazida ao Mundo Árabe pela prevalência do imobilismo sunita sobre o ativismo xiita, cujos horrores e sequelas diariamente contemplamos, e que igualmente nos estão a gangrenar a Civilização.

O resto são trocos, já que o jogo se faz agora a céu aberto: um anormal, Jesus, que mostra que o dinheiro não tem cheiro, e que um qualquer anormal pode alcançar um qualquer valor; despedimentos "com justa causa", para que o dinheiro sujo de Angola e da Guiné Equatorial circule em Alvalade; a analfabeta Dolores Aveiro, que traz malas de dinheiro de Madrid, como o João Perna trazia e levava para Paris; que Bilderberg até no Futebol impera, com o seu omnipresente Emir do Qatar; que o narcisismo da barraca substituiu os paradigmas herdados de Fídias e Praxíteles, e que o Futebol é o mesmo campo de explosão que fez com que meia Constantinopla fosse destruída, durante a revolução de Nike. Assim como o fez no séc. VI, o poderá fazer no séc. XXI, e é tudo uma questão de tempo e oportunidade. Creio que há muita gente que se interrogava sobre como seria o Final dos Tempos: creio que os dias da contemporaneidade lhes vieram facilitar essa natural curiosidade.



(Quarteto do ataque, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")