sexta-feira, 16 de julho de 2010

A Du Barry do Héron Castilho





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A assistente social sempre me disse que eu tinha um ligeiro atraso mental, mas também se recusou, sempre, a quantificar-mo.
Viver com isto, uma vida inteira, gera uma profunda angústia, só equivalente à dos dois amores do Marco Paulo, que deve passar o tempo todo a pensar se o outro terá, ou não terá, uns centímetros a mais, ou só será um pouco mais curto e grosso.

Finalmente, tive hoje uma revelação, creio que só comparável com a de Maria, quando descobriu que estava prenhe, depois de ter andado a mergulhar numa piscina mal desinfetada da Galileia. Toda a gente conhece a história da menina de família, que engravidou numa piscina pública, e do mal estar que isso provoca, quando tem de ser comunicado à família, já que ninguém... quer dizer... até que inventem uma lei, pode casar com uma piscina. De aí o mito do Espírito Santo, numa altura em que a Moody's ainda não lhe tinha baixado o "ranking", o que quer dizer que tinha pau suficiente para emprenhar uma esgroviada de uma mulher de carpinteiro, que não tinha onde cair morta, e a quem saiu a sorte grande de um banqueiro cego dos olhos e dos cornos.

Não se chateiem comigo, porque está tudo nos "Evangelhos", esse folhetim de maus costumes, como dizia o sucateiro que está agora a arder no microondas de Nosso Senhor Santo Lúcifer, mas vamos adiante, porque a minha revelação foi ter subitamente percebido, que de há 5 anos para cá, andava a julgar o "Engenheiro" Sócrates pelo seu caráter, aliás, falta dele, e não pelos seus atos, enquanto "Primeiro Ministro".

Esta coisa, da onomástica e da toponímia, tem muito que se lhe diga, porque quando chamamos, naturalmente, "Poli", "Leão" ou "Licas" aos nossos cãezinhos, é por que eles têm ar de Poli, de Leão ou de Licas, assim como Sócrates se foi confundindo com a falta de caráter de Sócrates, ao ponto de, quando falavam de "Primeiro Ministro" eu ter sempre uma branca, e ter de ir à mnemónica, para me lembrar de que o significante "Sócrates" e "Primeiro Ministro" tinham o mesmo referente, embora divergissem, abissalmente, no significado, porque, como sabem, "Primeiro Ministro", num país civilizado, pode ser sinónimo de tudo, menos de trafulha, mentiroso, anémico de caráter e todas as pequenas gentilezas que compõem, à Teofrasto, a estátua interior do Vigarista de Vilar de Maçada.

O problema foi quando o meu "annonce faite à Arrebenta" começou a deslizar para os lados, e a ouvir falar também de "Presidente da República", o que, igualmente, pressuporia um estatuto pró majestático, já que ninguém se pode dar ao luxo de apear um Rei para colocar no seu lugar um levantador de bainhas. Acontece que "Presidente da República" e "Aníbal Cavaco Silva" eram, do mesmo modo, dois diferentes significantes para um mesmo desgraçado referente, o que só podia ter um tremendo significado: no ano de 2010, o Estado Nação Português estava a ser governado por dois sucateiros, da pior extração, com um currículo de crimes de lesa pátria inenunciável, associado à destruição do esqueleto do seu País, por permissão, omissão, ou cumplicidade no desvio de dinheiros público, paternidade na ascensão dos piores caráteres a postos chaves na estrutura produtiva, económica, financeira e cultural da Lusitânia, e que a coisa continuava alegremente, com "ambos os dois" a declararem que se sentiam, os pobres, muitas vezes, como se "estivessem sozinhos a puxar a carroça"... para o fundo.

Por acaso, não estão sozinhos: há ainda o Jaime Gama, a segunda figura do Estado, que tem ar de nádega, e que nunca ficou desassombrado de andar nas festas da "Casa dos Érres", mas, quando vamos riscando os nomes, invade-nos uma indescritível sensação de solidão, acrescida do Garrafão de Águeda, que, como sabemos, acabará como numa sequência do "Pátio das Cantigas", a cambalear e a cair, batendo com a cabeça no passeio, e ficando lá a sangrar, até passar, pela madrugada, a carrinha do lixo. Como a Maria Antonieta mandou os outros comerem, brioches, quando não tinham pão, este está pior: manda-os ler Camões. A gente vai ler, pá, acredita que sim, juro... quando tu tiveres desaparecido do mapa.

Eu sei que é chover no molhado, mas, quando o Procurador Geral da República, uma figura do Poder Judicial que é cooptada pelos interesses dos partidos que arruinaram Portugal desde 1974, vem insinuar que seriam precisos muitos anos para saber tudo sobre tudo, eu dou-lhe razão, e até posso quantificar: para os 900 anos de trafulhices em que tivéssemos andado, talvez precisássemos de outros 900, para investigar. Todavia, no que respeita aos abusos, omissões, transgressões, agravos, crimes contra o Estado e afins, cometidos depois de Abril de 1974, talvez precisássemos de um tempo como que o nos separa das Pirâmides, e iríamos ficar com o país totalmente deserto.

Há uma alternativa para isto, da qual não gosto, mas que, de quando em vez, acontece na História, que é haver uma multidão que se passa dos carretos, e vai, de porta em porta, a limpar, indiscriminadamente, quem lhes aparece à frente.

Isso é mau, por causa dos danos colaterais: Lavoisier teve de subir à mesma guilhotina a que subiu a Du Barry, que tinha arruinado a França, com os seus tiques de peixeira, e quando deram conta do facto, já era demasiado tarde.

Aparentemente, há um impasse e uma conjunção de sinais que anuncia que algo de grave pode brevemente acontecer nas ruas, sejam essas ruas scut ou não scut: é aquele momento em que as massas, já tendo perdido tudo, descobrem que não têm mais nada a perder, e têm a mesma iluminação do que eu e descobrem que o Primeiro Ministro, para além de mau caráter, também nunca foi Primeiro Ministro, mas apenas um Primeiro Mau Caráter, a juntar a tantos outros, alimentado por forças do vazio, e, quando esta identificação acontece, os "ça ira", de barrete frígio, rebentam as portas, umas atrás das outras, e vêem, em cada uma, uma incarnação da detestável figura.

"É então uma revolta?... Não, Sire, é uma Revolução".



(Isaltinada, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O dia em que Saramago foi capa da "Playboy"





Imagem do "Kaos"

Há coisas a que assistimos em Portugal que não lembrariam a Kafka, mas que, idiossincraticamente são tão transparentes que basta meia dúzia de linhas para as explicar, e vou já por aí.

Quando as sociedades chegam a um ponto do seu vazio tão avançado, podemos falar de "unidimensionalidade", e esse é o momento genérico que historicamente atravessamos, e, quando digo atravessamos, estou a evocar um derradeiro laivo de otimismo, porque, a preceito, isto poderá mesmo ser o Fim.

Se pensarmos no que move este ajuntamento de gentes, chamado "Portugal", não encontraremos "élans" vitais tão diversos quanto isso, e o pulsar do sangue da canalha é, afinal, fruto de corações limitados, rasteiros e simples.

Uma das matrizes, é, evidentemente, o Futebol.

Não há facto que não se converta em Futebol, o que muito espantaria Lavoisier, mas é matricial, na Lusitânia.

Nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma em... Futebol.

Todavia, por sua vez, o Futebol já é um metaestado de uma pulsão ainda mais básica, que a "virilidade" expressa no cuspir no chão, nas instituições, nas leis, na História, na Cultura, no mérito e no dever. Já um dia escrevi que o mais profundo motor do Português é o tourear, o saber que se está sempre a fintar a regra, que, noutros estados, é um modo civilizado de estar. Pelo contrário, o modo português de estar pressupõe, sempre, nalgum dos momentos do percurso, poder, sempre, "dar o golpe", às vezes, por puro vício, e, sempre, por irrelevância.

Se queremos saber uma área, imediatamente vem uma tradução para miúdos, que nos diz "equivalente a tantos estádios de futebol"; se a soma é imensa, desde logo se diz "o equivalente a três anos de salário de Cristiano Ronaldo", e o país não descansa, enquanto não senta à mesa todos os sexos, todas as culturas, mesmo aquelas que dizem desconhecer quaisquer factos do Futebol, como é o meu caso, e todos os assuntos pertinentes, mais tarde, ou mais cedo, são reduzidos à adrenalina animal do "esférico".

Quando Sócrates foi enxovalhado por uma licenciatura deficiente, cometemos o erro crasso de nos colocar no lado da Regra, quando, de facto, como com Fátima Felgueiras, Pinto da Costa, Isaltino, Figo, Rui Pedro Soares, Dias Loureiro, Paulo Portas, Ricardo "Farfalha" Rodrigues, a medíocre Inês de Medeiros, e centenas de nomes que já esqueci, o homem e a mulher comuns continuam a alimentar um fundo de admiração e carinhos por esses escroques, tão só, por que conseguiram, num dado momento "fintar" o Sistema e provar -- numa expressão hediondamente portuguesa -- que "eram superiores aos outros todos".

Somos um país de bebedores de bica, de gajos que batem nas velhotas e violam as crias, de mulheres que se vendem só pelo prazer de enxovalhar um marido pacífico, de falsificadores de faturas e de negócios, de comentadores, sem dentes, da vida alheia, geralmente, na forma de calúnia e difamação, de gente que é a paródia mal contida dos países civilizados.

Muitas vezes folheei a "Playboy", e bastariam dois minutos para lhe traçar a radiografia estruturalista: páginas em bom papel, onde desfilam os mitos artificiais de uma certa sexualidade americana, heterossexual, dogmática e restritiva. A "Playboy", a seu modo, é um livro de ayatollahs eroticisado, mas delimitador de rigorosíssimas fronteiras. Faz parte do enorme Circo Americano, onde as coisas circulam por gavetas, e se tornam ininteligíveis, se desarrumadas da sua prateleira própria. Apesar de muitos sintomas primários, que o aproximam da Portuguesa, o Continente Mental Americano tem uma escala, um treino e umas infraestruturas que só nos poderiam fazer cair no ridículo, em qualquer tentativa de mimese.

Saramago, um dos maiores equívocos do séc. XX Português, figura de terceira linha, treinada por um polvo partidário, por uma especialista em propaganda e venda da banha da cobra, aliada a uma impertinência, uma baixeza de caráter e uma avidez, a qual não foi só seu apanágio, mas que nele imperou, em glória, fruto de algumas convergências e de circunstâncias felizes, geraram um monstro, no sentido de Braudillard, dos "Simulacros e Simulações". Kastoriades, outro marxista, que poderia ver nele a "Ascensão do Insignificante", assim como Lipovetski teria aqui uma perfeita hipóstase da "Sociedade do Vazio".

É evidente que tudo isto seriam referências culturais em excesso, para o patego de rua português, que, imediatamente, as leu, de acordo com as grelhas do toureio e do pontapear: Saramago, nesta sociedade unidimensional, é, bem lá no fundo, um homem comum, que a sua viril Carlos Queiróz, Pilar del Rio, conseguiu levar a um 7 a 0, como com os pobres Coreanos. Foi valente, e não é importante se o produto é válido.

Para que o texto não fique pobre, posso voltar a repetir que não é válido.

Saramago, como Dantas, conheceu todas as pompas do seu tempo: dentro de 100 anos, será uma incómoda nota de rodapé, que os didatas não saberão gerir, e terão de explicar como epifenómeno sociológico, na forma de patologia literária. Se hoje aparece na capa da "Playboy", não por acaso, ao lado de Julião Sarmento, outros dos lugares do Nada, é por que foi "macho" suficiente, mesmo morto, para conseguir isso. A confusão é total, mas natural, porque saiu da tumba, e invadiu uma revista erótica. A esta hora, deve haver um "boy", extremamente infeliz, por não ter sido compreendido neste golpe de asa de génio. Dou-lhe os parabéns. Violou as regras e mostrou que tinha tomates, e reduziu tudo à prateleira da bica, das putas e do vinho verde, os motores eólicos do nosso rasteirão nacional. Grave é que quem cometeu o ato talvez não percebesse o que estava a fazer, embora o tenha feito com audácia e mestria com mestria: a capa desta última "Playboy" faz-me sempre lembrar um vendedor de carros, que dizia que "um automóvel é como uma gaja: um volante, uns pedais, e o que a gente quer é que ande". Suponho que o volante fosse uma metáfora inconsciente das mamas, assim como a dimensão da bagageira, no país unidimensional, deva estar associado aos "grandes cus", uma expressão tradiconal do marialva português para "mulher".

A "Playboy" de Julho é muito melhor do que qualquer livro de José Gil ou de Eduardo Lourenço; vou, mesmo, mais além: é equivalente à Teoria do Tudo, e à tão sonhada Unificação de Einstein: mostrou que qualquer coisa pode ser palco para a nossa maneira de ser, as "gajas" (uma estranha forma de homoerotismo não assumido, que depois são queimadas com pontas de cigarros e pontapeadas, porque os portugueses detestam mulheres), os milagres da Fé, Fátima, a Crendice, o Ateísmo, a Blasfémia, a potência das chuteiras e o triunfo da mediocridade, a provar que Literatura, tetas, grandes cus, treinadores de bancada e masturbação generalizada podem coabitar, conviver e multiplicar-se, e, até... vender-se.

Esperemos vivamente que sim

(Quádrupla edição, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Segunda Carta aos Apátridas, seguida de "Money, money, money" ("Cabaret")






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É verdade, como diria Gertrud Stein, 40 graus são 40 graus, 40 graus, 40 graus, 40 graus, 40 graus... e isso mexe muito com o miolo, pelo que vou supor que seja devido a isso que me vou sentar a teclar, pela segunda vez, num curto lapso de tempo, para defender o "Engenheiro" José Sócrates, mas o que tem de ser tem muita força, independentemente de qualquer termómetro.

O caso da compra da "Vivo" pela "Telefonica", já o disse, nada tem de ingénuo, e é uma pura tentativa de conseguir, no séc. XXI, aquilo que 500 anos de deriva e conquista não conseguiram: que a América Latina apenas se expressasse em Castelhano.
Acontece que não gosto de Castelhano, ao contrário do Italiano e do Francês, línguas de música e de salão, e do Inglês, bom para campónios, ou do Alemão, excelente para falar com os cavalos, como dizia Frederico, o Grande.

Não me vou estender hoje muito.

Quando, naqueles textos que provocaram duas terríveis guerras no séc. XX, Marx falava do Grande Capital, ainda vivia numa época com escala, ao contrário deste miserável canteiro mundial, em que nos encontramos, e em que ganharam muitíssima mais pertinência as expressões "pequeno capital", "capital minúsculo" e "capital irrelevante".

Vamos hoje falar de "capital irrelevante" e de cérebros minúsculos.

Quando Cristo foi vendido por 30 dinheiros, suponho que Judas tivesse o seu BPP da altura em vista, e já soubesse que essa miséria ia render 10% ao mês, como na defunta Dona Branca. Suponho que deva ter usufruído pouco da quantia, atraindo, para a História, um dos boatos mais miseráveis de sempre, a de que a morte do cidadão Jesus se devera a uma coisa abstrata, mas ótima, para depois martirizar ao longo dos séculos, chamada Povo Judeu.

Quem matou Jesus não foi o Povo Judeu, foi o pequeno capital e os minúsculos corações do imediato, que, hoje em dia, se servem nos rodízios de picanha, e nunca de lá deveriam ter saído.

As assembleias de acionistas da PT estão cheias dessas misérias de picanha e "pochette" mirrada, em busca de um T3 mais espaçoso e de umas Caraíbas da "Marsans", passadas em Paço d'Arcos, mas eu hoje estou pouco para ironias, está muito calor, e o país doente: das pessoas com visão e capital, apenas Ricardo Salgado se mexe e esperneia, pelas razões que ele bem sabe, mas eu, Europeu, Cidadão do Mundo, e natural de Portugal, gostaria hoje de ver acontecer um pequeno milagre caseiro, que passo a explicar. A "Telefonica", central de chamadas para Tóquio, se bem me lembro, começou por oferecer 7 000 000 000 € pela "Vivo". Ora, a bem dizer, eu não faço a mais pequena ideia do que sejam 7 000 000 000 de euros, porque sempre fui fraquinho em cálculos, mas, quando sobem de 7 000 000 000 para mais uns milhões, eu começo a perceber que é a rasteira alma de Vítor Constâncio, a pairar ali, na forma de centésimas, pelo que entro imediatamente no espírito da coisa: se os acionstas do imediatismo da PT andam a mendigar centésimas, então, vamos negociar à centésima, e apelar a esses cavalheiros, que se reclamam de grandes fortunas e patrimónios de Portugal.

Vocês, que, a bem ou a mal, tanta coisa acumularam, Belmiros, Amorins, Berardos, banqueiros sérios e da treta, ainda continuam a ter escrito no B.I. "Português", ou já apagaram isso?... Se não apagaram, façam-me então um pequeno favor: já que os pequenos corações dos miseráveis capitais dos minúsculos acionistas da PT querem mais qualquer coisinha, você juntem-se todos, e ofereçam à "Telefonica" os tais 7 000 000 000, mais uns milhões, mais umas unidades e cubram-lhe a oferta. Invertam o negócio, e proponham-lhes comprar, em nome de Portugal e de 900 anos de História, por 715 000 000 de euros, mais um cêntimo, a parte que a "Telefonica" detem na "Vivo". Quando a "Telefonica", honestamente aceitar, e os acionistas, de coração aberto, perceberem que vão lucrar mais um cêntimo, tudo se resolverá, como no dia da Jerusalém Celeste.

A esse miserável cêntimo, para que se não chame sempre "Constâncio", até podemos nós já dar um nome de batismo: vamos chamar-lhe, e tão só por nostalgia... "Portugal".

(Pela náusea, marchar, marchar, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

domingo, 4 de julho de 2010

Portugal, miserável recanto de apátridas




Imagem do Kaos

Para mim, viajante da Esfera Interior e Exterior, sempre que me olho no espelho, ou o espelho dos outros me coloca a questão, a resposta é "sou Europeu", e, quando a resposta não chega, faço a precisão, de enorme peso heráldico e histórico, "... de Portugal".

Para as pendurezas das aldeias, que saíram de coabitar com os porcos para inestéticos gabinetes com ruidoso ar condicionado de qualquer espelunca pós-moderna, com uma serigrafia de Maluda na parede, que raramente percorrem os passeios a pé, e desconhecem o vagar das ruas, como muito bem define o meu amigo Marcelo, "Lisboa, uma cidade onde se pode andar sempre pela sombra", o peso das pedras antigas, o significado dos brasões, da toponímia, de velhos arcos arruinados e becos estreitos, de lugares marcados por lápides de feitos heróicos e sinistros, para essas pendurezas, e são muitas, Armandos Varas, Megas Ferreiras, Claras Ferreiras Alves, Franciscos Josés Viegas, Ruis Pedro Soares e tantos outros, a Capital nada é, senão a sua aldeia em ponto grande, sobre o flácido impacto do Deslumbramento.

O Deslumbramento, após 15 minutos de dissecação reduz-se ao velho ditado "boi a olhar para palácio", e o palácio continua, e o boi é promovido pelo Princípio de Peter, e vamos voltar ao tema, que é o das espantosas lógicas que nos podem levar a alianças circunstanciais, como aquela em que eu dei hoje, a acordar, e a descobrir que tinha feito com o "Engenheiro" Sócrates.

Compreendo o princípio, que está num maravilhoso conto, "Os Lobos", se não me engano de Kipling... olha, se calhar, não, talvez de Saki, mas isso confirmem vocês, em que momentos de desespero absoluto levam a que adversários irreconciliáveis tenham de dar as mãos, por um princípio de sobrevivência.

Nunca li Marx, a não ser o "18 Brumário", que até parece que Napoleão III também leu, mas nunca cheguei ao fim, porque, então, andava a descobrir Borges, infinitamente mais importante, porque Borges tem de se ler, enquanto Marx está em cada porta de cada Centro de Desemprego, tipo letreiro, e toda a gente se lembra do que ele disse, em linhas gerais do senso comum.

O problema PT-Telefonica-Vivo é um exemplo decadente e acabado de como um retângulo menor pode sintetizar tudo o que de pior Marx previu, e na forma do quintalinho de Fátima e do Futebol: o Grande Capital, apátrida, a jogar no lucro imediato, varrendo impiedosamente os valores, a História, as sensibilidades e o bom senso, porque, se necessário, no dia seguinte poderá encontrar-se a milhares de quilómetros da Terra Devastada.

Depois de anos de conflito, compete-me fazer hoje o elogio de Sócrates, um subproduto das aldeias importadas para a Capital, por se ter dignado levantar o Cetro, para defesa de uma estranha e difusa coisa, que parecia estar diafanizada no séc. XXI, mas subitamente ressurgiu, quando o bom senso, e não era preciso ser muito inteligente para lá chegar, percebeu que a Telefonica española estava a dar um grande golpe de futuro, que era trocar um pequeno rincão de gentalha suburbana e litoral, que não paga as contas de telemóvel, por um mercado potencial de mais de 100 000 000 de utilizadores, numa das mais fascinantes potências emergentes do nosso século, o Brasil. Historicamente, quando a Telefonica oferece uns tostões pela Vivo, está como a corja dos primeiros navegadores, que trocavam ouro e marfim por missangas e crucifixos, o que, não só traduz a radiografia que España faz do estado a que chegámos, como realmente mostra que lá estamos mesmo, e não sabemos, ou fazemos de conta que não.

O Grande Capital, apátrida, tinha de ter uma versão portuguesa, obviamente, menor e mais miserável, com diferente tonalidades: a Grande Nação Monhé, que não é de ninguém, e se pode instalar e gangrenar qualquer parte, representada por Zeinal Bava, num primeiro instante, hábil negociador, que percebeu que a España se estava a tentar apoderar do monopólio das telecomunicações em toda a América Latina, e ainda estrebuchou, na busca de aliados, mas, logo a seguir, quando sentiu a imparável maré dos medíocres, alinhou, e disse que "serviria, quer a Vivo fosse, ou não fosse, comprada (!)", e "servir" quer dizer continuar a ganhar muitos milhões, à custa das infindáveis chamadas para o Fútil, de todos os Portugueses;
o capital dos grandes estrategas, que, mais do que se pensa, estão em apuros, como Ricardo Salgado, que, com o tal encaixe imediato dos milhares de milhões, salvaria o BES do cataclismo que aí vem, quando os bancos forem forçados a ter capitais próprios, e não listagens de números fictícios, que nunca verão em espécies, mas que apresentam como "lucros", e mais não são do que dívidas internas incobráveis, e dívidas externas ao banco mais forte e mais perto;
e, finalmente, uma maralha, sem rosto nem nome, de donas da rua, de saloios de carros "pour épater le voisin", taberneiros da nota no colchão, donos de cafés de rés do chão, e pais de "surfers" nas praias do Brasil, das promoções da "Abreu", enfim, gente com quem nem Marx sonhou, mas que têm, no Bilhete de Identidade, escrito "Português": eles representam uma coisa miserável, chamada "pequeno capital", "muito pequeno capital" e "capital insignificante", que nos diz que o nome de D. Afonso Henriques pode, hoje, chegar a valer 30 dinheiros.

Pode valer para eles, mas não para mim, e, surpreendentemente, também não, para o "Engenheiro" Sócrates, que sabe que incorre, neste momento, em ter o mesmo destino de má morte, com um tiro na testa, de muitos políticos do período medíocre da Primeira República. É pelo seu gesto que, nesta noite, aproveito para lhe fazer um elogio local.


Ignoro o que o moveu: como sou um irremediável romântico, vou fazer o esforço, até que as manchetes dos jornais da próxima semana me desmintam, que, por acaso, ouviu as egrégias vozes de 900 anos de História.
Que bom seria que assim fosse...


(Quatro melancólicas tágides, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")