sábado, 2 de abril de 2016

Daesh in the sky with diamonds





Dedicado ao soldado Alex Pushin, que nos devolveu as primeiras flores de Palmyra




Agora que o filme está a chegar ao fim, o Obamismo nada conseguiu produzir, exceto Donald Trump. É justo, por que a eleição de Obama sempre teve um programa de marasmo previsto, e Trump é uma forma de marasmo como qualquer outra, talvez com a diferença de que mais vale um Donald Trump do que o Obamismo ter parido coisa alguma, e arriscava-se agora a chegar ao fim, deixando-nos de mãos completamente vazias.

Semelhante ao Obamismo, só a deriva, rezam os livros de História, de Jimmy Carter, fraca figura, que, na segunda metade dos anos 70, deixou o Mundo à beira de cair nas mãos do Império Soviético: nunca Moscovo chegou tão longe, com a conquista da Indochina, a queda do Negus da Abissínia, uns grupelhos vermelhos a incendiarem a Península Ibérica (então, uma "geringonça" monopartidária, para quem se lembre...), uma Grécia à beira do soviete, uns acidentes pelas Caraíbas e o Afeganistão, finalmente, onde os porcos pós estalinistas se afundaram em miséria, como todos os invasores se tinham afundado, bem antes deles. Pior do que isto, só os solavancos maoístas e os gritos de perfeição do gueto albanês. Naquele tempo, se aquilo não era o fim, então, o que seria o fim, mas mais iria haver para ver.

Graças à Apple que a versão presente é mais iPhónica, e o preto americano é uma loa bem diferente da coisa sinistra que foi Ronald Reagan. Como diria Aristóteles, a velhice está para a juventude, tal como o crepúsculo está para a manhã, e assim estará Trump para Obama, como Reagan esteve para Carter. No final disto tudo, também há, e sempre houve, um títere Putin, com esse ou outro nome. Há quem lhe chame analogia, mas eu prefiro acreditar que é bem a voz de Spengler a falar da bela Decadência do Ocidente.

O Ocidente escolheu decair de formas diversas, e algumas delas inesperadas. Roma, quando soçobrou, transformou-se num subúrbio; o Ocidente preferiu acabar numa epopeia de suburbanos, gente gira, na ótica da Teresa Guilherme, gente fatal, na ótica dos poucos, que, como eu, estamos a viver a coisa na sua inevitável literalidade.

É inevitável que voltemos a Bilderberg e ao seu programa de "normalização" pela base. Com Bilderberg, apenas tenho um ponto de contacto e uma única coincidência, a de que o Mundo está superpovoado, e superpovoado por representantes da espécie cada vez mais desinteressantes e perigosos. Infelizmente, as religiões, que se apresentam sempre como tão sábias, foram sistematicamente incapazes de girar a chave do problema, através da enunciação de um simples "não procriarás"... De aqui deriva, embora não se ouse estabelecer a conexão, que a tão falada inevitabilidade de uma geração inteira a ir ter de viver pior do que geração que a antecedeu não é mais do que uma resposta dos programadores dos figurinos do Mundo a esta cultura do enxame multiplicado num mundo despovoado de recursos. Os sensores estão todos em sintonia, e há uma lógica do senso comum que realmente conflui numa conclusão inevitável, a de que a desenfreada multiplicação da espécie humana, uma das espécies mais tóxicas do planeta, é incompatível com uma igualdade de posse dos meios. Por outras palavras, chegamos à axiomática de que já não chegaria uma Terra inteira para produzir os bens do fascínio das grandes ilusões destas massas todas.

Mais interessante do que tal evidência é se terem tornado esquivos os corolários do anterior, já que, se as coisas não chegam para todos, então, a quem chegarão, e a resposta é extraordinária, posto que se não rege por um princípio do mais apto, mas pela lógica de Bilderberg, em que sobreviverão os piores, ou para dar rostos às coisas, sobreviverão os protagonistas e finalistas dos reality shows da, e vou repetir, Teresa Guilherme.

Como já deverão ter percebido, a Teresa Guilherme é aqui completamente irrelevante, já que ela não passa de uma espécie de Wally de todas as teresas guilhermes deste mundo. Ela não é mais do que um bodisatva de um budismo perverso e imprudente, que prega o desprezo por todas a regras do mundo e um salve-se quem puder assente nas volatilidades de um corpo com uma semivida de vinte anos, e dois ou três orgasmos falhados no chuveiro. Na realidade, esta insuficiência na posse plena de todos os recursos do planeta é espantosamente resolvida numa oval forma colombiana, do já que eles não podem ter tudo, e não podem desconfiar de que tudo já não é possível que esteja na posse de todos, então dêem-lhes o onírico às postas, simplesmente, invertendo a lógica do indispensável.

Esta gente foi filha de uma gente para quem a educação, o emprego, os cuidados de saúde, o estado social, as reformas e a estabilidade na velhice eram os pilares maiores de uma aventura da finitude. A grande aposta dos sabotadores do Mundo foi diminuir-lhes a esperança de vida, acenando com as glórias do êxito fácil, e os quinze minutos de fama do Wahrol, os quais foram esticados durante meses, a baixo custo, piores expectativas, e plena intoxicação da TVI: só tatuam os braços do cotovelo até às mãos aqueles que sabem que isso vai contra uma política de certos empregos e castas, e essa mimese é própria daqueles que subliminarmente já estão a ser preparados para a exclusão. Também a saúde não é importante, por que as doenças são problemas da velhice, e a velhice é um horizonte quimérico, uma coisa de que falam os avós, avós que nós nunca seremos, mas dos quais tanto continuamos a depender, durante os curtos anos da nossa sobrevivência.

Curiosamente, e por um princípio de entropia, este empobrecimento em massa repercutiu-se a montante, afetando a geração anterior, forçada a sustentar esta massa enorme de desempregados, de desapossados do teto próprio, e nos quais é sistematicamente necessário injetar os capitais que permitem os sinais efémeros de sobrevivência: a representação social das roupas, dos eventos musicais, das discotecas, e da troca, segundo a moda, dos tablets e smartphones, e a droga, necessária à permanente anestesia. É um interminável narcisismo, afundado no vazio, na virtualidade e no combustível das substâncias. Vales e és o tamanho do teu Facebook. Tudo o resto se tornou irrelevante, e não integra a cultura da deseducação. Desde que os pais paguem, os filhos podem concentrar-se na posse dos poucos objetos que os validam na vacuidade contemporânea. Na verdade, nós não quereremos imaginar o que vão ser os filhos destes filhos, criados no caos e na precariedade, mas acreditamos que já virão dotados de um princípio de amnésia, que os fará esquecer de que as coisas nem sempre foram assim. No final disto tudo, estará uma guerra, entre os que ainda têm e os que nunca tiveram, entre os que ainda se lembram e os que já não guardam memória, e, sobretudo, entre aqueles que vivem do não esquecimento e os que sabem que o registo da memória é um incidente letal. A violência começa no estádio, e estende-se até Palmyra. E é aqui que chegamos ao ponto essencial deste texto, já que nós viemos aqui para falar de guerra.

Sendo a História perigosa para estes sistemas, é fundamental que regridamos no tempo, e regressemos à memória, ou seja, ao ponto em que, historicamente, este cenário foi manipulado, para chegar à desagregação que preparava. Não voltaremos a falar das derivas neoliberais, por que são já do senso comum, mas importa recordar que esse é o big bang do colapso presente, ditado pela irracionalidade do salve-se quem puder, mesmo que, no final, ninguém se chegue a salvar. Esse é um dos cenários de Bilderberg, ditados pela lógica do extermínio, e nós vamos alegremente nessa direção.

O princípio do empobrecimento global, que entre nós teve muitos rostos, gera imparidades crescentes, já que a lógica do pântano não é sincrónica com o afundamento de todas as camadas da sociedade. O subúrbio da exclusão, com o seu princípio de reconquista dos centros abandonados, é uma das maiores glórias desta nova idade média: começou-se por caçar os picas e acaba-se a decapitar no teatro de Palmyra.

A falácia seguinte assenta na representação, e nos valores visuais da representação, já que a lógica do subúrbio tem heráldica, uniforme e ritos: ninguém, melhor do que o neoliberalismo, importou para os cânones do visual os estigmas do novo nomadismo: as mochilinhas, os capuchinhos, os óculos escuros, as barbas a despropósito, e a mais recente estética dos pés em forma de martelinhos de cordas de pianoforte, a emergirem na ponta das calcinhas lycradas e apertadas. De aqui aos fundamentalismos das madrassas de Kandhaar e de Fahti é um passo, e este cortejo dos falhados do Ocidente, que invadiram as nossas ruas e praças, nada mais é do que um generalizado cavalo de tróia do nosso colapso civilizacional. Só se espantarão os incautos de que os servos do aeroporto de Zaventem tenham celebrado os atentados de Paris. Toda a superpopulação gera violência. Faltava-lhes ainda o enquadramento religioso, e nisso os bilderbergers falharam, já que não bastou a "geringonça" de dois papas fundamentalistas e um totó para subverter séculos de aggiornamento e laicização. Porquanto todo o empenhamento fanático e a cruzada antierótica de Woytila e Ratzinger não foram suficientes para fazer o Ocidente empolgado atravessar o limiar da jihad. Esse teria sido o cenário de guerra ideal, em que um Ocidente fundamentalizado se apropriasse dos recursos das civilizações vizinhas. Mas, como a guerra era indispensável, foi necessário, encontrar um casulo mais radical, que, impossibilitado de se encostar aos fanatismos sionistas, encontrou bom porto nas derivas ortodoxas do Islão. O Islão não é senão uma segunda escolha de cenário, falhada a tentativa do fundamentalismo cristão. Para aqueles que dizem que o Daesh é um subproduto das políticas de relaxe do capitalismo selvagem tem de se fazer o reparo de que esta gangrenosa infiltração dos tecidos sociais por elementos estranhos e radioativos é, pelo contrário, fruto dos laxismos das culturas da integração e da mestiçagem, os piores flagelos das sociedades rendidas às "geringonças", que, no limite das suas necessidades de defesa, acordam nas formas estranhas dos donalds trumps destes mundos.

Esta é uma guerra que não assenta na posse de territórios, mas na uniformização do pensamento. O seu fim final é o colapso da Democracia e o fim da herança ateniense. Brevemente, que é o hoje já, todos teremos integrado os argumentos das correntes extremistas e totalitárias como postulados elementares das nossas mesas de café. Ao nosso lado, todos os que se sentarem e não partilharem do nosso pensamento estarão ao alcance da rapidez de autos de fé tecnológicos e literais, perpetrados pelos novos escravos do precário e dos 500 €, e imediatamente publicitados no Twitter e no Instagram.

Foi esta cultura nómada da mochilinha obsessiva que nos tornou invisível o bombista suicida do metro de Lisboa. Foi esta cara tapada pelos óculos, pela barba e pelo capuchinho, que tornou o nosso vizinho do lado vizinho do militante do Daesh, encarregado de se vir fazer explodir nas rotundas do Colombo e nos saldos do El Corte Inglês. É o puro triunfo da estupidez, replicado e assistido por milhões, nas cenários da ninfómana, Teresa Guilherme, que marca a irrelevância da educação, e que permite que se tenham dinamitado os templos de Palmyra, tal como se dinamitaram os Budas afegãos. Brevemente, não haverá livros, mas apenas estádios de futebol. Sabemos que o Sr. Balsemão, como muitos, gosta disto e aplaude. Talvez goste menos, quando chegar a vez de ser a sua cabeça decapitada a decorar a capa de alguma edição extraordinária do "Expresso"...



(Quarteto da esplendorosa Tadmor-Palmyra, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")