domingo, 4 de julho de 2010

Portugal, miserável recanto de apátridas




Imagem do Kaos

Para mim, viajante da Esfera Interior e Exterior, sempre que me olho no espelho, ou o espelho dos outros me coloca a questão, a resposta é "sou Europeu", e, quando a resposta não chega, faço a precisão, de enorme peso heráldico e histórico, "... de Portugal".

Para as pendurezas das aldeias, que saíram de coabitar com os porcos para inestéticos gabinetes com ruidoso ar condicionado de qualquer espelunca pós-moderna, com uma serigrafia de Maluda na parede, que raramente percorrem os passeios a pé, e desconhecem o vagar das ruas, como muito bem define o meu amigo Marcelo, "Lisboa, uma cidade onde se pode andar sempre pela sombra", o peso das pedras antigas, o significado dos brasões, da toponímia, de velhos arcos arruinados e becos estreitos, de lugares marcados por lápides de feitos heróicos e sinistros, para essas pendurezas, e são muitas, Armandos Varas, Megas Ferreiras, Claras Ferreiras Alves, Franciscos Josés Viegas, Ruis Pedro Soares e tantos outros, a Capital nada é, senão a sua aldeia em ponto grande, sobre o flácido impacto do Deslumbramento.

O Deslumbramento, após 15 minutos de dissecação reduz-se ao velho ditado "boi a olhar para palácio", e o palácio continua, e o boi é promovido pelo Princípio de Peter, e vamos voltar ao tema, que é o das espantosas lógicas que nos podem levar a alianças circunstanciais, como aquela em que eu dei hoje, a acordar, e a descobrir que tinha feito com o "Engenheiro" Sócrates.

Compreendo o princípio, que está num maravilhoso conto, "Os Lobos", se não me engano de Kipling... olha, se calhar, não, talvez de Saki, mas isso confirmem vocês, em que momentos de desespero absoluto levam a que adversários irreconciliáveis tenham de dar as mãos, por um princípio de sobrevivência.

Nunca li Marx, a não ser o "18 Brumário", que até parece que Napoleão III também leu, mas nunca cheguei ao fim, porque, então, andava a descobrir Borges, infinitamente mais importante, porque Borges tem de se ler, enquanto Marx está em cada porta de cada Centro de Desemprego, tipo letreiro, e toda a gente se lembra do que ele disse, em linhas gerais do senso comum.

O problema PT-Telefonica-Vivo é um exemplo decadente e acabado de como um retângulo menor pode sintetizar tudo o que de pior Marx previu, e na forma do quintalinho de Fátima e do Futebol: o Grande Capital, apátrida, a jogar no lucro imediato, varrendo impiedosamente os valores, a História, as sensibilidades e o bom senso, porque, se necessário, no dia seguinte poderá encontrar-se a milhares de quilómetros da Terra Devastada.

Depois de anos de conflito, compete-me fazer hoje o elogio de Sócrates, um subproduto das aldeias importadas para a Capital, por se ter dignado levantar o Cetro, para defesa de uma estranha e difusa coisa, que parecia estar diafanizada no séc. XXI, mas subitamente ressurgiu, quando o bom senso, e não era preciso ser muito inteligente para lá chegar, percebeu que a Telefonica española estava a dar um grande golpe de futuro, que era trocar um pequeno rincão de gentalha suburbana e litoral, que não paga as contas de telemóvel, por um mercado potencial de mais de 100 000 000 de utilizadores, numa das mais fascinantes potências emergentes do nosso século, o Brasil. Historicamente, quando a Telefonica oferece uns tostões pela Vivo, está como a corja dos primeiros navegadores, que trocavam ouro e marfim por missangas e crucifixos, o que, não só traduz a radiografia que España faz do estado a que chegámos, como realmente mostra que lá estamos mesmo, e não sabemos, ou fazemos de conta que não.

O Grande Capital, apátrida, tinha de ter uma versão portuguesa, obviamente, menor e mais miserável, com diferente tonalidades: a Grande Nação Monhé, que não é de ninguém, e se pode instalar e gangrenar qualquer parte, representada por Zeinal Bava, num primeiro instante, hábil negociador, que percebeu que a España se estava a tentar apoderar do monopólio das telecomunicações em toda a América Latina, e ainda estrebuchou, na busca de aliados, mas, logo a seguir, quando sentiu a imparável maré dos medíocres, alinhou, e disse que "serviria, quer a Vivo fosse, ou não fosse, comprada (!)", e "servir" quer dizer continuar a ganhar muitos milhões, à custa das infindáveis chamadas para o Fútil, de todos os Portugueses;
o capital dos grandes estrategas, que, mais do que se pensa, estão em apuros, como Ricardo Salgado, que, com o tal encaixe imediato dos milhares de milhões, salvaria o BES do cataclismo que aí vem, quando os bancos forem forçados a ter capitais próprios, e não listagens de números fictícios, que nunca verão em espécies, mas que apresentam como "lucros", e mais não são do que dívidas internas incobráveis, e dívidas externas ao banco mais forte e mais perto;
e, finalmente, uma maralha, sem rosto nem nome, de donas da rua, de saloios de carros "pour épater le voisin", taberneiros da nota no colchão, donos de cafés de rés do chão, e pais de "surfers" nas praias do Brasil, das promoções da "Abreu", enfim, gente com quem nem Marx sonhou, mas que têm, no Bilhete de Identidade, escrito "Português": eles representam uma coisa miserável, chamada "pequeno capital", "muito pequeno capital" e "capital insignificante", que nos diz que o nome de D. Afonso Henriques pode, hoje, chegar a valer 30 dinheiros.

Pode valer para eles, mas não para mim, e, surpreendentemente, também não, para o "Engenheiro" Sócrates, que sabe que incorre, neste momento, em ter o mesmo destino de má morte, com um tiro na testa, de muitos políticos do período medíocre da Primeira República. É pelo seu gesto que, nesta noite, aproveito para lhe fazer um elogio local.


Ignoro o que o moveu: como sou um irremediável romântico, vou fazer o esforço, até que as manchetes dos jornais da próxima semana me desmintam, que, por acaso, ouviu as egrégias vozes de 900 anos de História.
Que bom seria que assim fosse...


(Quatro melancólicas tágides, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

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