terça-feira, 17 de novembro de 2015

Daesh








Faz agora parte do meu currículo de lotarias negras, por jus e direito, a previsão desta guerra. Esta guerra tem, sobre tantas outras, a virtude de ter tido uma demasiado longa preparação, já que, a sermos minuciosamente corretos, a sua origem tem raízes nos já remotos anos 80. Os pais desta guerra são uma tríade fundamentalista, cujas caras mais conhecidas são Reagan, Tatcher e Woytila. Se nos viramos para o nosso quintal, poderemos acrescentar mais um rosto do crime, Aníbal Cavaco Silva.

A doutrina pregada por esta tríade fundamentalista, como todas as pragas religiosas, assentava num conjunto de preceitos manado dos escritos de Milton Fiedman, um profeta do XX século do Vale de Chicago. Para Friedman, os números eram importantes, e os humanos deviam adorar o seu Bezerro de Ouro, cuja adoração passava por alguns oferecerem os outros, em sacrifício, no seu altar. Friedman espalhara a sua palavra por várias planícies da América, semeando a devastação pelas terras onde instalara o seu culto. Melhor do que todos os cataclismos, devorara o Chile, e mais teria devorado, se o deixassem.

Estas pragas assentaram num princípio básico dos recursos e da Economia, a de não haver mundo suficiente para tantos homens, o que, como corolário, levou a que o mundo ficasse ao serviço de alguns, com os outros todos a ver. Creio que deram a isto o nome de Neoliberalismo, e a coisa instalou-se. Deixada a linguagem bíblica, este processo levou a uma vandalização social global, com consequências em todos os patamares de escala. Para um urbanista, como eu, a coisa ainda teve algumas sequelas particularmente curiosas, pois coincidiu com uma substituição do eixo de valores urbanos por uma emergência de novos padrões de subúrbio. Dava um longo texto a explanação deste ciclo de desertificação das cidades, com sequente aglomeração de populações em cercanias inóspitas e hostis. Paris, como Lisboa, sofreu dessa erosão, e transformou-se num lugar de passagem, a pior coisa que pode acontecer a uma urbe, o converter-se num cenário. Esta conversão em cenários marcou irreversivelmente a decadência da ideia ocidental de casa, e este declínio é fundamental neste processo, já que a ideia de que não se está no nosso território permitiu o desastre até à ultimas consequências.

Ao desastre do Fundamentalismo de Friedman juntou-se a estagnação do Pensamento de Bilderberg e o seu Fim da História, o que quer dizer que aos ostracizados da periferia, uma segregação no Espaço, se juntou a impossibilidade geracional da renovação, uma cela no Tempo. Fechados no Espaço e no Tempo, os sem destino da História passaram a ser reprimidos, e seria objeto de análise mais profunda o modo como se passou dos subúrbios de Londres, Paris e Lisboa para os desertos da Síria. Curiosamente, esta é uma guerra dos quintais, onde se vai longe limpar aquilo que, em devido tempo, se devia ter limpado perto. E sendo este um panfleto de mero posicionamento, não vai mais longe, e por aqui fica, como introdução a um texto (continua).


(Quarteto para um tempo de guerra, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

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