terça-feira, 23 de outubro de 2012

Amanhã, soarão esplendores :-)


                                               

Imagem do Kaos

Não vinha com a intenção de escrever um texto técnico, mas há um tempo para tudo, inclusive para o Tempo.

De aqui a 30 anos, passaremos para a data mágica de 1143, altura em que um punhado de gente, com pouca terra, e descendendo de Roberto, o Pio, Rei de França, veio conquistar umas fatias de teritório, naquele no man’s land que separava a Cruz do Crescente.

Gosto de História, mas só por acidente sou historiador, e, perversamente, da Ciência.

A Idade Média Portuguesa é uma pequena e simpática épica local, que se esgotou, no dia em que os fortes cavaleiros descobriram que só lhes faltava cavalgar o Mar. A partir de então, numa estranha sina, que só se poderia comparar com a dos Fenícios, deixámos de ser um país, e passámos a ser um lugar de passagem.

O gene lusitano é estranho, porque está permanentemente marcado pelos índices da Partida.

Somos, por essência, um lugar de despovoamento, com os recém-chegados a sentirem, todos os dias, o “estranhamento” das partes desertas. Talvez por isso, tenhamos dificuldades em criar tradições, sobretudo, naquilo que a mim, enquanto intelectual, toca: cada um de nós é sempre um pilar deserto, que inaugura e finda uma genealogia. Como estátuas da Ilha da Páscoa, nós olhamos, solitariamente, em frente, aguardando que o Tempo, e o Vento e o Mar, nos façam tombar de face.

O problema do discurso intelectual é aquela necessidade, ou, se o quiserem, inevitabilidade, do nefelibata, e da sua teia de ideias, estar vinculado ao corpo de um tempo e de uma vizinhança, ou seja, a necessidade e o dever cívico de cuidar, pela elocução da escrita, daqueles, outros, cuja voz é mais frágil, ou inexistente.

Numa parceria, que derivou do enorme erro, -- The Great Portuguese Disaster -- e, mesmo, cataclismo histórico, que foi a reentrada da maior deformidade da III República, Aníbal Cavaco Silva, no tabuleiro de um jogo que já antes tinha condenado ao despedaçamento, avancei, com o “Kaos” naquilo que o futuro cunhará como uma afortunada osmose entre o pensamento visual e a insurreição do texto.

Enquanto Cavaco assistia, e alimentava, a destruição económica, financeira, agrícola, judicial, moral, ética, cultural e, mesmo, física de um secular trajeto histórico, passaram-nos, pela frente, os desastres sequentes do que foi o seu neosalazarismo, dos anos 80 e 90, já nas figuras de Milénio de Sócrates e de Passos Coelho. Se tivesse havido um Presidente, nesta enorme sede vacante que é a fase crepuscular da III República, nunca Sócrates teria destruído o que destruiu, nem Passos Coelho, um produto de vaudeville, teriam podido alcançar a suicida massa crítica que atingiram.

Enquanto o país se desfazia, Cavaco macho e fêmea, inauguravam presépios atrás de presépio, com os lencinhos do adeus, de Fátima, a dizer, sejam bem-vindos, no vosso horror continuado.

Acabámos a ver o solzinho e a dívida externa, a dançar.

Enquanto a paródia se desenvolvia, ambos satirizámos, com garbo e furor, por imagem e palavra, todo este festival decadente.

Por inerência, o humor, a ironia e o tremendo sarcasmo têm, sempre, por alvo aquilo que consideraríamos um ponto singular no tecido social, ou seja, numa geometria de referenciais convencionados, o alimento do rumor da imagem e da escrita seria sempre a anomalia balizada e incarnada em alvo. No momento em que a plateia de valores se dissolve e a anomalia se generaliza, há uma dramática confusão entre o alvo e o atirador, ou seja, como em Matrix, já não é possível lutar contra uma multidão de Mr. Smith, porque todos se converteram em Smith.

O salto seguinte, para o qual, em vários emails pessoais, adverti os críticos e criadores da Blogosfera, nos quais me incluo, era o risco de, nós mesmo, começarmos a incarnar Mr. Smith.

Num retorno à Poética, de Aristóteles, e à sua catarse, cada vez mais atual, no presente momento de deriva, o empenhamento no perfecionismo da forma visual ou panfletária, das imagens do “Kaos”, ou das “farpas”, ou “breves” do “Arrebenta”, e, ainda mais, na sua potenciação simbiótica, podia, pode, e cumpriu, durante algum tempo, o tempo útil, eventualmente o tempo mítico, de servir de patamar catártico intermédio, impedindo, por uma sublimação e aculturação sociais, que a violência imediata, e no limite, mortal, se diluísse na gargalhada e no vernáculo, que a liberdade da linguagem literária sempre permitiu.


A sociedade portuguesa, num estado de adiantada putrefacção, correlato da decomposição do Ocidente e de todo o sistema mundial de padrões ditado pelo Iluminismo, como Mauro Sampaio resumiu, numa recente e memorável intervenção televisiva, não passa, presentemente, de um cenário de entrecruzamento de sórdidos interesses, regidos por mafias, infiltrados da Maçonaria clássica, novos criminosos da Opus Dei, fundamentalistas, neofascistas e neoestalinistas, braços e agentes de todo o tipo de mafias, portuguesa, italiana, romena, russa, búlgara, turca, chinesa, angolana, e de todos os subprodutos párias da fase terminal do Capitalismo, na sua forma futebolística de circenses sine panem.

Curiosamente, uma comunidade globalizada, não se conseguiu, termodinamicamente, equilibrar num ponto ótimo, mercantilista, antes, muito para lá dos piores pesadelos marxistas, estagnou em monopólios de extorsão locais, regidos por gente abaixo de qualquer sistema de valores.

Este sistema, mantido por constantes fontes de intoxicação social, impede-nos, pelo ruído de fundo, de aceder a qualquer informação de qualidade, antes a substituindo por constantes versões atenuadas, ou, cada vez mais assumidas, de mentira. Ao acaso, e por que o tema me enoja profundamente, poderia tomar como referência o Estripador de Cantanhede, que uma cultura abissalmente gangrenada viu, por cá, tratado em cordões humanos de solidariedade (!), com mães chorosas, e padres a navegarem na apologética do inconcebível, revistas cor-de-rosa a defenderem o indefensável, para, subitamente, debaixo dos holofotes do pragmatismo anglo-saxónico, vermos emergir a verdadeira face daquilo que nos representa, e envergonha, lá fora, uma sociedade alicerçada na falsidade, no oportunismo, no anestético, oscilando entre pulsões pedófilas e gerontófilas, para terminar em vinganças sangrentas de um disforme mental, que, como milhares de portugueses, não suporta a sua estrutura sexual, e envolve o nome de Portugal numa  escabrosa história de estripadores e canibais, que vão beber sangue humano (!) num hotel de luxo de Nova Iorque.

À sua limitada maneira, tal Cavaco Silva, ou Teresa Guilherme, Renato Seabra é um epítome daquele não ser profundo, que, doentiamente, vai assassinando o que de melhor havia nos melhores de nós mesmos.

Nas sociedades em crise, o Humor sempre foi um espaço de distensão. Nas sociedades em agonia, o próprio espaço do humor e da satirização é ocupado por peões do Sistema, que bem sabem o peso crucial desses limiares na manutenção de lençóis sociológicos de não rotura, e aqui chegamos ao ponto crucial, que foi a ocupação dessas fronteiras, reservadas à purga do status quo, por figuras oscilando entre o menor e o minúsculo, servidas em doses industriais, e no tempo mais eficaz, para produzirem um efeito de aculturação e domesticação, que me atreveria a designar por iliteracia do humor, onde a própria gargalhada foi condicionada e restringida a fronteiras e temas minuciosamente estudados, de modo a não provocarem um desmoronamento do edifício.

Um medina carreiramento, para começar pelo topo, até descer a vários exemplos de base. Não sei enumerá-los, porque não os frequento, mas posso dar os exemplos clássicos da mediocridade dos “Gatos Fedorentos” e do chiqueiro dourado da Clara Ferreira Alves, entre tantos.

Ao contrário destes lugares regiamente pagos, para fazerem a extorsão do riso e da sátira, o insuportável de figuras como o “Kaos” e o “Arrebenta”, ficções de sucesso e de transmissão, foi o de nunca serem reintegráveis, recicláveis, assimiláveis ou assalariáveis, pelo Sistema.

Apesar de sobressaltos de percurso, nunca houve qualquer intenção de capitalizar, tornar rentáveis, ou a soldo, ou, pior ainda, constituir formas de ocupação, ou substituição, do Poder, ou, ainda mais baixo -- o topo da base de tantos -- de pretender integrar as plataformas de intoxicação social, através de uma capelinha dos reformados, só deus sabe, nalguma coluna de algum pasquim do Sistema, ou num tempo de antena de uma televisão dos grupos correntes de genocídio do pensamento e da expressão.

A História está recheada destes exemplos de não normalização, cujo custo foi sempre a de uma enorme penalização do eu humano do criador.

Entre “Kaos” e “Arrebenta”, parce que la rose est sans pourquoi, a intenção foi sempre, e sistematicamente, a de talhar a mesma frase, o clássico, "olhai, porque o rei vai nu!...", e esperar que o público a repetisse, em uníssono e cada vez mais alto.

Passamos aqui dos sistemas para os meta sistemas, porque, nesta meia década de bombardeamento diário e sistemático, o indivíduo, como Proteu, foi-se metamorfoseando. Um dos derradeiros momentos de glória de profanação dos velhos alvos, foi real, pouco presenciado, mas épico, quando a caríssima Priscila afrontou esse cancro reles da III República, Maria de Lurdes Rodrigues, para lhe arrancar, perante uma plateia estupefacta, que, para esse ogre da Sociologia, só existiam duas profissões, o “Médico” e o “Engenheiro” (!). Talvez quem acabou de ler estas linhas perceba agora a lógica sectária e fundamentalista com que a sociedade portuguesa foi ultimamente tratada, entre esta ciência flácida, e outra, não menos flácida, a Economia, onde um fracassado, que depois de uma ruína académica, decidiu tornar todo um país numa experiência falhada de um momento histórico crucial.

A questão é que ascendendo, ou seja, passando dos referenciais onde estas figuras são, ou foram cimeiras, para os meta referenciais, em que não passam de peões, como nos alerta o terrível texto de Luiz Carvalho -- que lhe dá a autoridade, por ter frequentado os meandros do “Expresso”, com todas as suas maravilhas e horrores -- há uma estratégia de genocídio adotada, e, desculpem-me a tecnicidade do léxico, essa estratégia obedece a uma topologia própria, simultaneamente animada de uma cinemática e de uma dinâmica idiossincráticas, cujo objetivo fulcral é a manutenção das estruturas, e, inclusivamente, das personagens, entendidas como eternas, e o seu cenário como o Fim da História.

Neste sistema dinâmico, cujas pontas estão nas mãos dos tais “muito poderosos”, a variedade social, S, ainda que dinâmica, pretende-se “estruturalmente estável”, ou seja, se para cada área limite, envolvente do tempo e do evento X se conseguir, permanentemente, encontrar um X’, sequente, que assegure um homeomorfismo, h(x), de S sobre si mesma, que transforme todas as trajetórias de X numa trajetória inclusa do tipo (M,X’). Topologicamente, e de uma forma tendencialmente laplaciana, o campo dos diferenciais, entendido como a envolvente global de todos os potenciais identificáveis sobre a variedade social, S, deve, assim, reger-se pelo gradiente grad V, assumindo-se que a função V é monótona crescente. Ora, em forma de crítica, o laplacianismo implícito nesta monotonia crescente deixa imediatamente supor uma meta estrutura monstruosa, cuja entropia fosse deliberadamente potenciada, e determinista, embora, anomalamente “estável”, porque, escatologicamente, os senhores sensores desta aberração socio topológica sabem que, no final do percurso, existe uma singularidade morfológica, que corresponderá ao fim do Fim, na forma de catástrofe, e estamos aqui em pleno Thom, ou, mais simplificadamente, numa máquina de Zeeman, onde o elástico subitamente se distenderá.

Em toda a História, estes momentos chamaram-se Guerra, e levaram a indetermináveis genocídios.

Estes monstros da sombra, imersos no seu “Matrix”, estão a ousar uma coisa que Mandelbrot, ou qualquer teorizador do Caos, desde Lorenz, ou, mesmo, do antepassado, Poincaré, sabem que não é possível, e, se o colapso das bolsas, apesar de suportado por uma modelização insuficiente de, digamos, por alto, um aparato de 36 sistemas simultâneos de equações diferenciais, a tentarem simular, em tempo real, as oscilações de humor dos valores das ações, não funciona, ou funciona pela glória e colapso de atratores locais, o que as volta a remeter para o que sempre se temeu, o caráter aleatório das variações; se o colapso das bolsas não lhes chega, que dizer, então, sobre a bateria de simuladores diferenciais, que fornecesse um modelo adequado aos gradientes e ao devir de uma população imprevisivelmente amordaçada pela ameaça de fome, ruína e desespero de esperança?...

Nessa lógica, o custo da entropia, com evicção de uma morfologia de rotura levará, inevitavelmente, ao colapsar dos elementos mais frágeis, o que, socialmente, corresponderá a um genocídio regulado, ou orientado, em que cada um se tornará no canibal de cada qual, por alimentação de velhas categorias aristotélicas, que o Marxismo elidiu, e pelo qual falhou, já que ninguém defende com mais força senão o que é sua propriedade, e a colisão social está, neste momento, a ser sistematicamente alimentada por aquilo que chamaríamos um gradiente de inveja, por focalização desregulada em pseudo exemplos de evidenciação, elidindo os verdadeiros poderes de sombra, e lançando as bases numa chacina social, sob a forma de uma guerra civil consentida, entre o que nada tem, e aquele que um pouco mais detém, para mais, assimilada como justa e inevitável.

O sinal de que essa hora chegou foi o súbito e brutal dispensar dos agentes que contribuíram para a intoxicação social, atacando indiscriminadamente os veículos jornalísticos, a soldo, ou estrangulados pela impossibilidade de transmitir a verdade.

Num termo que faz furor na Academia, a miscenização, de algum modo entre a imagética do “Kaos”, ou o estilo próprio do “Arrebenta” -- que, aqui, voluntariamente, e ironicamente, quer na forma, quer na extensão do texto, contornei -- passaram a integrar o léxico, a gramática e mesmo a retórica dos movimentos de insurreição, que invadiram as nossas ruas. Se, defronte de Belém, foi divertido, subitamente ver, a emergir, nas televisões, as caras físicas dos eternos insurretos do “Braganza Mothers”, o “Kaos”, a bater na sua panela, a "Kaotica", cheia de panfletos, como uma fúria florestal, a Isabel, como uma pantera, a tentar devorar a câmara, o João, de estandarte na mão, enquanto o meu próprio autor se rebolava de gozo, no meio da multidão, a ver um cartaz, gigante, com o SEU ataque do Cavaco a ser ferozmente esticado para os jardins de Belém, depois de já ter mandado, na Rua da Junqueira, para a outra parte, a concubina do Relvas, uma boca da servidão com metade da idade do seu cobridor, e completamente indignada com aquela interpelação de plateia, meu deus, que glorioso é ver agora, assimiladas pela luta da multidão, imagens, por toda a parte, concebidas “à la manière” do “Kaos”, ou a Assembleia da República, os deputados, os Ministros e os comentadores a integrarem, como o crescente vociferar da turba, tanta da linguagem vernácula do “Arrebenta”, mas, agora, naquele tom fatal, que nunca quisemos, e por isso, nos retiramos para o repouso de uma certa retaguarda.

Não podemos incorrer no risco de fornecer ao inimigo mais armas, para este canibalismo que estiveram a preparar. Deixamos, voluntária, e atempadamente, de ser catárticos, e de servir de patamar de sublimação entre os focos do horror e a crescente vontade de os exterminar.

A luta agora tem o nosso estilo, mas os recursos dessa luta são, hoje, infinitamente mais vastos do que os nossos, que sempre foram criação artística de imagem e afinamento do texto. 

Que maior prazer do que ver os piratas informáticos a invadir esse coio de opressão que é o Patriarcado do Fundamentalismo Cristão, com uma imagem de estilo, a que só faltava a assinatura do “Kaos”, embora dele já não fosse?... Suponho que isso seja a Eternidade, se maior elogio não lhe pudesse fazer...

Todavia, há um tempo para reinar e há um tempo para abdicar.

Os próximos meses serão cruciais, mas a rua já absorveu a lição e a linguagem própria da insurreição. Como já perceberam, para estes autores, e por mim falo, por esta linguagem que estão a estranhar, estou compltamente... noutra. O “Arrebenta” é um divertimento de uma personalidade bem mais vasta, que, neste momento, está entediada de escrever à… “Arrebenta”. Acontece, e aconteceu, tanto a mim, como ao ser humano, que existe por detrás do mítico “Kaos”. Imaginem o quanto me pode interessar uma cavalgadura, como Miguel Relvas, quando estou a olhar para um denário de Juba II, da Mauritânia, o afortunado esposo de Cleópatra Selene, filha de Cleópatra VII e de Marco António...

A hora é, agora, de reflexão, e de silêncio, um silêncio terrível e gritante, que se está a multiplicar por todas as vozes que não mais largarão as ruas.

Esta é uma pausa que durará até que sintamos a vontade de reentrevir.

O “Kaos” já tomou a decisão de repousar, e, com ele, o “Arrebenta” também aqui começa a hibernar, porque é cessado o tempo preparatório das imagens e das palavras.

Neste momento, já passámos para o patamar do Mito. Talvez regressemos, mas a luta, agora, é integralmente vossa, porque é chegada a hora da Ação.

Amanhã, certamente, soarão esplendores. :-)



(Quarteto dos esplendores, como “Gran Finale” do “Kaos” e do “Arrebenta”, no “Arrebenta-SOL”, no “Democracia em Portugal”, no “Klandestino” e no eterno “The Braganza Mothers”)



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