quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

As Presidenciais de 2016 e os abortos do Tempo Novo





O PCP fez uma sondagem à boca da hóstia e perdeu. A Roseira fez uma sondagem ao gargalo do Alegre, e foi-se. O Sampaio da Nódoa fez uma sondagem à boca da Pilar del Rio e jangadou daqui para fora. O Henrique, o Jorge e o Cândido puseram-se ao espelho, e o espelho quebrou-se. Já o Morais parecia uma caricatura de si mesmo, e assim continuou, e assim vai continuar a ser. A partir daqui, podemos dizer que ganharam todos, e assim se fez o Tempo Novo, e assim sempre foi, e assim sempre haverá de ser.

Depois deste arranque de humor, vamos passar a uma análise mais fria, e científica, para esta breve não sofrer das mesmas insuficiências do "Also spach Zaratusthra", em que a coisa começa altíssimo, e depois se confunde com a cinematografia toda do Manoel de Oliveira, tirando o "Bobó" do início. E, sendo a coisa científica, passamos já aos números, para fundamentar as nossas evidências. E, assim, sendo, também poderemos aritmeticamente dizer que, nestas Presidenciais de 2016, de raquítica memória, ganharam todos os números ímpares, e, a partir daí, todos os pares começaram a perder, sendo que ímpares são, pela ordem que lhes conferiu o Inteligent Design, o Marcelo, dos cataventos, a Marisa, das manifs, e o Tino de Rans, de Rans, e pares, o Da Nódoa, a Anã e o Prete Rosso. Como diria o Woody Allen, o Tino até é par, mas lá se pôs numa posição ímpar, só para disfarçar, e disfarçou, e disfarçou muito bem, pelo que está de parabéns. Numa análise mais fina, só possível nos programas da Cristina Ferreira, o próprio Vitorino se converteu e exprimiu em números, e praticou uma comovente numerologia de pacotilha: foi o sexto de uma prole numerosa de seis filhos, vinha em sexto no boletim de voto, e, como ficou em sexto lugar, esqueceu-se de concluir que 6 e 6 e 6 até faz 666, o número da besta, que muito bem se adequa ao tempo que vivemos e ao sucedido em 24 de janeiro...

... 24 de janeiro que entra para a História como o primeiro tiro de salva da partida de Aníbal de Boliqueime, a figura que começou por degradar o papel do Governo, arrolando toda a casta de facínoras e futuros cadastrados, arruinou depois a motricidade parlamentar, com o seu camaracorporativismo das enchentes maioritárias do seu sim-sim senhor doutor, e acabou com a ruína da própria instituição presidencial, transformada num cabecismodeabóbora, sem abóboras e com cabeça ainda muito menos. No meio destas três ruínas, também teve tempo para arruinar o país inteiro, sendo que, até 9 de março, com um pouco de sorte, ainda poderemos assistir à falência de mais um banco, perdão, ao maniqueísmo de mais um balcão financeiro, dividido entre a luz do Bem e as trevas do Mal, a mostrar que em Portugal nada se eleva, nada se fale (só os escritores se podem dar ao luxo de fletir tempos verbais inusitados...), tudo se encrença, e acaba por contabilizar. A cereja em cima do bolo foi marcada por abortos e por vetar casais passivos do mesmo sexo poderem adotar os abandonados dos casais passivos do sexo oposto.

Depois disto, qualquer dos ímpares até nos seria indiferente, já que o Palácio de Belém está no mesmo estado de Fukushima, depois das fugas radioativas, e bem fez o Marcelo em refugiar-se já em Queluz, como a Lamballe se meteu um dia nas portas dos fundos do Hameau, em busca de ricos pastorinhos, embora o risco mais imediato do Marcelo seja, de facto, o Vírus da Zika, caso ele se lembre de começar a parturir microcéfalos, na Cauda da Europa, um risco iminente, depois da fuga de todos os cérebros do passosportismo. Marcelo não está no mesmo estado de degenerescência de Cavaco, mas a sua recorrente "paragem glotal", deixa antever algumas derivas pelos tiques do queixo nervoso, razoavelmente suportável, desde que não enverede por babar-se em público... Já Marisa Matias contou espingardas, e chegou aos dois dígitos, para muita dor e rancor dos que achavam que o lugar dela era o espaço deles, o evento de uma carinha larocas, um pouco prognata, mas dentro dos horizontes libidinosos de quem nunca levantou os olhos acima dos aventais e das saias rodadas pelo joelhos, dos bailes da Atalaia. A verdade é bem outra, e com o seu queixo habsburgo, tivesse a Marisa nascido no tempo de Vélasquez, e acabaria agora pintada nas paredes da Zarzuela, muito rodeada de amorosas marias de belém. Já Tino de Rans me parece ser a única pessoa capaz de defender os valores de uma certa tradição, e o único que, em 9 de março, poderia avançar para o cargo com o facho de salvar o brilhante espólio da agonizante Maria de Boliqueime, mas a História não o quis assim, e iremos, de aqui a pouco mais de um mês, assistir a mais uma queima de bibliotecas de alexandria.

Passando aos perdidos, é unânime que o PCP finalmente inaugurou o seu declínio, com os votos fiéis a fugirem em todas as direções, e um certo portugal profundo a avisar que os padres devem estar de um lado e as cassettes devem estar do outro, sob pena de as cassettes ficarem num canto, a rezar as suas missas solitárias. Igualmente esperamos que Maria de Belém encerre aquele penoso período de declínio manuelalegrista do nosso folclore, em que nos vimos forçados, pela estupidez de um cavalheiro decadente, que já não se enxerga, a ver sucessivos ciclos de eleição, e reeleição, por 5 anos, de todo o sarro conservador, por apostas erradas e quaisquer inexistências de alternativa. Na mesma ótica, também Sampaio da Nódoa, que já se sentia "a pensar como Presidente" -- pensou, e pensou mal --, vai agora regressar à Universidade, e faz bem, por que continuamos com algumas dúvidas sobre o que se passou em redor do ano de 1982.

Diz ele que estava em Genebra, entre dois despachos de reitores e ministros (aí, fadista!...) a fazer um curso concluído em dois anos, dado o "seu enorme afinco"(!)... O meu, nem com afinco, consegui eu reduzir abaixo de cinco, e cremos que, nesta ótica das cidades, nem Bolonha alcançou ser tão generosa quanto Genebra foi com ele... Como diz o burlesco João Jardim, o Nóvoa é "um Tino de Rans para académicos", e é, mas não só, pois é pior e mais profundo. Passado este pensamento ácido, convém que olhemos mesmo para a coisa bem de frente, já que a derrota do Lânguido das Reitorias não foi uma derrota qualquer, antes foi a derrota de um dos mais descarados e vergonhosos conluios de interesses da modernidade portuguesa. Talvez fosse verdade que a sua candidatura não fosse imediatamente política, nem sequer partidária, mas nem precisava de o ser, já que antes era um fenomenal casamento dos impulsos do Ente Supremo casados , à nossa frente, com os empurrões do Senhor Santo Deus, ou seja, o dernier cri das núpcias maçónicas com as trevas da Opus Dei. Desta perspetiva, o fracasso de Sampaio da Nódoa é um mero movimento de recuo das próprias defesas do eu profundo da coisa portuguesa, e de uma impossibilidade, de facto, de certas sombras se apessoarem da totalidade do cenário, através de alianças perversas, sistematicamente derrotadas. É sobre estas reiteradas recusas que o Gil e o Lourenço se deveriam debruçar, já que constituem uma matriz profunda da raiz nacional, e um incómodo ressalto, nesta terra que tudo admite e tudo suporta, contra certos contornos da maré excessiva. Na prática, o himeneu do cilício e do avental, corresponderia à estética perfeita do sufocante, com cada uma das tendências a elidir, até ao pormenor, todas as possibilidades de autonomia, com tapar a totalidade das frestas da autenticidade, um mundo de determinismo ao qual nem o próprio Marquês de Laplace se atreveria. Como Calvino, a condenação do nosso destino estaria, para sempre, determinada pelas velhas caras do "Tempo Novo". Com muito azar, também era comunista, e cumpria assim a fusão dos piores totalitarismos do tempo novo do milénio passado. 
Sampaio da Nódoa foi o Golem do fracasso das bodas do Cilício e do Avental, com o apadrinhamento da Santa Foice. Foi-se.  Com algum desagrado da História, a velha Europa exilou-o em Santa Helena, e veremos que Santa Helena irá reservar a este rosto sombrio do "cidadão novo" e às suas metástases.


Marcelo Rebelo de Sousa é infinitamente mais complexo, já que representa um princípio de inércia, que, passando por Cavaco Silva, e assumindo agora um zénite flácido na sua pessoa, mais não é do que um monótono fluir de sucedâneos do Estado Novo, na impossibilidade de gerar novos arquétipos de sustentabilidade. Marcelo Rebelo de Sousa está para o Caetanismo como o Período Saíta está para o Império Antigo, mas com o interior virado do avesso, já que a ressonância não assenta na mimese das formas, mas muito antes na monotonia das sensibilidades. Nesta perspetiva, a vitória das luzes de Celorico de Basto está ferida de uma inevitável melancolia, já que na ótica do Estado Novo, Marcelo nunca poderia despertar mais do que sorrisos salazaristas a quaisquer aspirações presidenciais. Nem sequer, quando, com 25 anos, se punha em bicos de pés, para ser notado, num esforço de irrelevância de cartas, pelo próprio caetanismo. Nesta ótica, e por que devemos estudar o ser no seu próprio ambiente, não foi Marcelo que amadureceu, ao ponto de ascender ao lugar do qual agora virá a tomar posse, mas antes o cargo que empobreceu, ao ponto de Marcelo o poder vir hoje a ocupar. Sobre tal, nenhuma novidade, já que é o retrato latente de toda a contemporaneidade, e uma radiografia do estado das coisas: não é interessante, nem notável, mas apenas o lugar de um incontornável reparo.

Resta o Marcelo homem, na sua multiplicidade. Como bom esquizofrénico, arrastará para Belém a sua multiplicidade. Nestes recentes tempos, houve um Marcelo que se atreveu a candidatar, e mesmo um Marcelo que o impulsionou ao ponto de poder ganhar. Dia 24, vimos um outro Marcelo, o que ganhou, a citar penosamente um outro que se encontra num idêntico estado de permanente delírio, Bergoglio, o Francisquinho do Vaticano. Dia 9 de março, outro marcelo tomará posse, e vamos ver que marcelo ocupará nos dias seguintes o Palácio de Belém. Quando chegar a hora dos confrontos políticos, haverá um marcelo que decide e um marcelo que comenta, e outro, ainda, que se comenta, e mais outro, que se porá a comentar os outros dois; haverá um marcelo que afronta e um outro marcelo que desiste, um marcelo que se pavoneia e um marcelo mais perturbador, que se contentará com exibir. Não sei se este recital chegará a tornar-se alguma vez interessante, penso, antes, que deve ser assim que as civilizações colapsam, ou, porventura numa ótica mais otimista, que os cargos, pela sua progressiva irrelevância, assim se esvaziarão, ao ponto de se permitirem a epiderme deste mero espetáculo quotidiano.



(Quarteto ligeiramente pós caetanista, no "Arrebenta-SOL", no "Democracia em Portugal", no "Klandestino" e em "The Braganza Mothers")

1 comentário:

Arrebenta disse...

Mauzinho, não?... :-)